O cientista brasileiro Pablo Damasceno é o principal autor de um
estudo publicado no exemplar desta semana da revista Science que promete
mudar o jogo no campo da nanotecnologia e da nanofabricação.
Cada vez em maiores apuros para manter o ritmo da miniaturização,
sobretudo no campo da eletrônica, a indústria deposita suas esperanças
na chamada fabricação "de baixo para cima", que torna possível alcançar
uma precisão que não pode ser obtida pelas técnicas tradicionais "de
cima para baixo".
Embora o conceito teórico proponha o uso de átomos e moléculas como
blocos básicos de construção, o uso de nanopartículas é muito mais
viável e realista, principalmente se baseado em técnicas de automontagem.
"Um dos maiores desafios em nanoengenharia química e de materiais
hoje em dia é o de como criar novas estruturas - normalmente envolvendo
arranjos complicados de nanopartículas - de uma forma completamente
espontânea, auto-organizada, simplesmente seguindo as leis da
termodinâmica," explica Damasceno.
"De fato, se quisermos continuar a criar eletrônicos com mais e mais
transistores por centímetro quadrado, logo atingiremos o limite no qual
será impossível organizar as partículas no padrão adequado devido a seu
tamanho nanoscópico e à quantidade imensa. Um método de
auto-organização, portanto, é o desejado," completou ele.
Sólidos complexos
Um método agora não apenas desejado, mas muito mais próximo da
realidade, graças ao trabalho que o brasileiro e seu colega Michael
Engel fizeram no laboratório da Dra. Sharon Glotzer, na Universidade de
Michigan, nos Estados Unidos.
Eles desenvolveram um método capaz de prever como as nanopartículas
dispersas em um fluido vão se organizar autonomamente para formar um
sólido com base em apenas dois parâmetros: o formato das partículas e a
quantidade de vizinhos presentes no fluido.
O mais promissor, contudo, é que, em vez de nanopartículas esféricas,
com as quais a quase totalidade dos grupos de pesquisas ao redor do
mundo trabalha hoje, Damasceno trabalhou com poliedros de formatos muito
complexos.
Enquanto nanopartículas esféricas costumam se aglomerar em estruturas
cristalinas simples, sem grandes aplicações práticas, formatos sólidos
bem definidos podem gerar estruturas em macroescala igualmente bem
definidas, abrindo a possibilidade de fabricação de peças e materiais
complexos.
Ordem pela entropia
E, em vez de um complexo processo de fabricação, tudo o que é
necessário fazer com as nanopartículas é deixar que as coisas aconteçam
por si sós, levadas pela entropia.
Embora normalmente associada a uma tendência à desordem, a entropia
também pode causar a ordem, fazendo os objetos se organizarem - basta
restringir o espaço disponível para que esses objetos se rearranjem.
Quando postas em um espaço pequeno o suficiente, em vez de se
espalharem aleatoriamente, as partículas começam a formar estruturas
ordenadas, de forma similar à que acontece quando os átomos se organizam
para formar cristais.
Em 2010, outra pesquisa do mesmo grupo mostrou a possibilidade de que tetraedros se organizassem para formar quasicristais, as incríveis estruturas que valeram o Prêmio Nobel de Química de 2011 ao persistente Dr. Dan Shechtman.
Mas Damasceno não se contentou com tetraedros e fez os cálculos para
verificar as possibilidades de auto-organização de 145 formatos
diferentes de nanopartículas - ele estudou poliedros platônicos, de
Archimedes, de Johnson, de Catalan, entre outros.
Isso foi suficiente para mostrar que existem correlações claras entre a forma das nanopartículas e as estruturas que elas geram.
"Não só isto, mas as correlações foram tão claras que nos
proporcionaram a possibilidade de predizer, para qualquer poliedro
convexo, qual o tipo de estrutura no qual ele irá se auto-organizar,"
explicou Damasceno.
Cristais ou vidros
Quase 70% dos formatos estudados resultaram em estruturas do tipo
cristalino criadas apenas pela atuação da entropia - eles obtiveram até
uma complicadíssima estrutura cristalográfica conhecida como
gamma-Brass, formada por unidades repetitivas de 52 partículas cada uma.
"Esta é uma estrutura cristalina extraordinariamente complexa mesmo
para átomos, o que dirá para partículas isoladas, que não podem se ligar
quimicamente," comentou a professora Glotzer.
Além de cristais normais, as partículas podem formar cristais
líquidos, como os usados em telas de TV e monitores de computador, e
cristais plásticos, nos quais as partículas podem girar sobre si mesmas
sem sair do lugar. Sem contar as estruturas totalmente desordenadas,
semelhantes aos vidros.
"Com isso, qualquer pesquisador interessado em criar um determinado
tipo de estrutura usando nanopartículas poderá consultar nossa tabela e
então tentar sintetizar a nanopartícula que irá dar origem a tal
estrutura," resume Damasceno.
E também poderão fazer o inverso: partindo das propriedades desejadas
do material que desejam construir, poderão calcular o formato da
partícula necessária para a tarefa.
O piauiense Pablo Damasceno fez sua graduação na Universidade Federal
de São Carlos (SP) e está há três anos no grupo da professora Sharon
Glotzer, na Universidade de Michigan, em Ann Arbor.
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