A colheita mecanizada da cana-de-açúcar possibilita duplo ganho ambiental, resultando em menor emissão de gases de efeito estufa e na melhoria da qualidade do solo.
A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP, em Piracicaba (SP), que acaba de ser publicado na revista científica Global Change Biology Bioenergy.
Balanço de carbono do etanol
Além de destacar a importância de sistemas agrícolas conservacionistas na produção de bioetanol, o trabalho descreve o balanço completo de carbono do etanol de cana-de-açúcar no Brasil.
O estudo enfatiza pontos positivos em relação à agricultura como, por exemplo, ao invés de emitir gás carbônico durante o processo de colheita da cana, retirar esse gás da atmosfera e estocá-lo no solo, ou seja, provocar o sequestro de carbono.
O artigo faz esses balanços e estabelece relações entre a cana colhida manualmente e a cana colhida mecanicamente, enfatizando a produção da cana em si e o seu processamento para a fabricação do etanol.
"Nós trabalhamos de uma forma mais ampla, com o que chamamos de análise de ciclo de vida em relação à sustentabilidade do biocombustível. No caso do etanol, estudamos desde a produção da cana e, eventualmente, alguma mudança de uso da terra que possa ter existido, até a combustão do etanol," ressalta o engenheiro agrônomo Marcelo Valadares Galdos, um dos autores do artigo.
"Existem vários estudos no Brasil que revelam que há uma redução de 60% a 90% de emissões em relação à produção de etanol se comparados à de gasolina", acrescenta o pesquisador.
Porém, um fato muito importante na avaliação do engenheiro agrônomo é que os estudos realizados na Esalq vão além daquilo que já existe publicado, que é justamente o fato de o texto ter um desdobramento no qual é inserido o papel do solo.
"Os estudos que já existem só incluem as emissões, o que é um aspecto negativo. Incluindo avaliações do solo, tentamos mostrar um dos pontos principais que consiste no fato dele próprio abater uma parte dessas emissões. Somente no primeiro metro de profundidade, o solo tem três vezes mais carbono do que na atmosfera", assegura Galdos.
Sequestro de carbono
Com base no conhecimento dos solos brasileiros e suas diferenças, é possível apontar em que regiões e climas é possível sequestrar carbono e por quanto tempo isso pode ser feito, uma vez que eles também têm um limite de carbono que podem sequestrar.
"Hoje, temos informações de que solos mais pobres em carbono possuem um amplo espaço para aumentar esse teor e, o que queremos enfatizar é que isso deve-se à potencialidade da cana-de-açúcar. É um benefício realmente", enfatiza o estudioso.
Outro dado importante incorporado ao balanço foi a questão da fuligem, que antes não era considerada em trabalhos similares. "Esse material particulado da cana-de-açúcar provoca aquecimento global e por isso incluímos no nosso balanço, pois pesquisas anteriores só incluíam os principais gases de efeito estufa como o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso", lembra o pesquisador.
Queima da cana versus colheita mecanizada
Sobre os processos de colheita manual e colheita mecanizada, Galdos explica que "a queima implica em um menor aporte de matéria orgânica e nutrientes no solo. Portanto, ao colher a cana mecanicamente, sem queima, deixando-se a palhada sobre o solo, o ganho ambiental é duplo: deixa-se de emitir gases do efeito estufa que agravariam o aquecimento global, além de melhorar a qualidade do solo".
O engenheiro afirma também que "parte do carbono contido na palhada fica retido no solo e pode compensar emissões de gases de efeito estufa na produção da cana-de-açúcar no campo e de etanol na usina".
O pesquisador lembra ainda que sob certas condições, esse carbono retido no solo pode ser maior do que as emissões no processo de produção de cana-de-açúcar e de etanol".
No balanço feito por Galdos, com colaboração de pesquisadores da USP, da Universidade do Estado de Ohio (Estados Unidos) e do Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (França), ficou claro que a colheita mecanizada é mais vantajosa, pois ela provoca apenas um quarto das emissões que causam o efeito estufa, além de sequestrar mais carbono para o solo.
"Nós fizemos os cálculos comparando os sistemas de colheita manual e mecanizada, para chegar a um balanço e comparar quais seriam as vantagens e desvantagens de um e de outro em relação ao potencial causador do aquecimento global ou até ajudar a reduzir as emissões. A cana colhida crua não provoca emissões pela queima de biomassa", diz ele.
Nesse aspecto, o pesquisador considera importante destacar que as usinas estão se organizando para acelerar esse processo de substituição de cana queimada por cana crua. "Mostrar boas práticas de manejo pode abrir portas para exportação de etanol. Esse aspecto mercadológico de sustentabilidade na produção do etanol pode gerar grandes benefícios ambientais", finaliza.
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