Poucos experimentos científicos são tão delicados quanto um condensado de Bose-Einstein, quando milhões de átomos individuais, resfriados até próximo ao zero absoluto, perdem sua individualidade e passam a se comportar como um único super-átomo, ou um átomo artificial.
Por isto, parece estranho o que um grupo internacional de cientistas decidiu fazer na Alemanha: atirar um condensado de Bose-Einstein de uma torre de 146 metros de altura, simulando uma situação de ausência de gravidade.
Reunindo fundamentos das duas maiores revoluções da física no século 20, a Teoria da Relatividade Geral e a Mecânica Quântica, a experiência foi coordenada por Tim van Zoest, do Instituto de Óptica Quântica da Universidade Leibniz, na Alemanha.
Apesar da aparente simplicidade, o experimento pode representar um passo fundamental no estudo das propriedades gravitacionais da matéria quântica, abrindo caminho para observações de altíssima precisão - especialmente se os experimentos puderem ser reproduzidos no espaço com o uso de interferômetros atômicos.
Revoluções científicas induzidas por equipamentos
"Certas revoluções científicas nascem de grandes mudanças de paradigmas, como a própria Teoria da Relatividade Geral. Outras nascem de mudanças em equipamentos e técnicas, como a invenção do laser. O experimento realizado pela equipe de Zoest se enquadra nessa última categoria, ao desenvolver meios que permitirão, no futuro, fazer testes muito precisos sobre a relatividade geral."
A afirmação é de Paulo Nussenzveig e João Carlos Alves Barata, pesquisadores do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo), que foram convidados pela revista Science para comentar o experimento, considerado importante por suas implicações para o futuro da física.
Nussenzveig, que atua nas áreas de óptica quântica, física atômica e informação quântica, havia publicado em setembro de 2009, também na revista Science, artigo sobre uma descoberta relacionada ao emaranhamento quântico.
Segundo Barata, que atua na área de física matemática, o interesse pelo artigo não está nos resultados do experimento em si, que são limitados. Mas as técnicas e instrumentos utilizados abrem perspectivas interessantes que poderão resultar em importantes conquistas no futuro.
No comentário, os cientistas brasileiros explicam que os conceitos de revoluções científicas induzidas por equipamentos foram extraídos do livro Imagined Worlds, do físico norte-americano Freeman Dyson.
Cápsula quântica
O experimento consistiu em colocar o condensado de Bose-Einstein no interior de uma cápsula, que foi lançada de 146 metros de altura por dentro de uma torre onde foi feito vácuo.
Os quatro segundos de queda, segundo Barata, são considerados um tempo relativamente longo para esse tipo de experimento.
"Dentro da cápsula havia uma amostra do condensado de Bose-Einstein e diversos sensores capazes de analisar uma série de efeitos sobre esse material durante a queda livre. Assim, os cientistas foram capazes de avaliar como a matéria se comporta em situações nas quais não há campo gravitacional agindo," explicou.
O condensado de Bose-Einstein, cuja existência foi prevista por Albert Einstein em 1925, a partir do trabalho de Satyendra Nath Bose, é uma fase da matéria formada por átomos em temperaturas próximas do zero absoluto, que permite a observação de efeitos quânticos em escala macroscópica.
"O mais interessante desse experimento não foram as medições feitas sobre o condensado, que se referiam, por exemplo, à expansão do material durante a queda, o que traz pouca informação. O principal é o fato de os autores terem conseguido reduzir um aparato tão complexo a uma escala que cabe em uma cápsula de dimensões reduzidas," destacou Barata.
Laser atômico
A cápsula utilizada no experimento media 60 centímetros de diâmetro por 215 centímetros de comprimento.
Normalmente, a criação do condensado de Bose-Einstein requer um laboratório com lasers sofisticados, equipamentos ópticos delicados e cuidadosamente alinhados, câmeras de vácuo e controles eletrônicos muito sensíveis. Ainda assim, o condensado está sempre sujeito à decoerência, quando ele perde suas propriedades unificadas.
"Embora o experimento não envolva nenhum conceito novo, a redução para a instalação na cápsula é animadora, abrindo perspectivas para que experimentos semelhantes possam ser feitos no espaço. Até hoje o condensado de Bose-Einstein não havia sido reduzido dessa maneira", disse Barata.
O condensado de Bose-Einstein pode ser utilizado para produzir uma espécie de laser atômico que poderá substituir, no futuro, os lasers convencionais, proporcionando experimentos de precisão ainda maior.
"O experimento feito na Alemanha mostra que temos boas perspectivas para, utilizando esses aparatos, empregar a interferometria de átomos e, com ela, fazer experimentos de altíssima precisão", disse o professor.
Princípio de equivalência
No vácuo, uma pena cairá exatamente na mesma velocidade que uma bola de chumbo - isto tem sido apresentado aos estudantes como um fato irrefutável há décadas. Mas, de fato, isto é apenas um postulado, que ainda precisa ser testado.
Segundo o chamado princípio da equivalência, a massa com que os corpos se atraem corresponde à massa inercial, que por sua vez resiste a uma força de aceleração. Isto significaria que, no vácuo, todos os corpos atingirão o solo à mesma velocidade.
Mas os físicos querem aprimorar os equipamentos de medição da gravidade até que eles atinjam uma precisão que permita verificar se essa hipótese pode de fato ser considerada uma lei da física.
O que falta para conseguir esses experimentos altamente precisos, segundo Barata, é adaptar os instrumentos de interferometria atômica à escala utilizada no experimento feito na Alemanha.
"Mas não vejo aí nenhum obstáculo tecnológico intransponível. A parte mais difícil eles já fizeram: produzir o condensado de Bose-Einstein nessa escala", afirmou.
Segundo Barata, caso se consiga realizar esse tipo de experimentos no espaço, as perspectivas são promissoras. "O princípio de equivalência, por exemplo, poderá ser testado da seguinte maneira: fazendo-se a comparação, com interferômetros atômicos, entre o condensado de Bose-Einstein no espaço e em queda livre na terra", disse.
Efeitos da Relatividade Geral
O princípio de equivalência é considerado um dos fundamentos da Relatividade Geral: quando um objeto em um campo gravitacional é submetido à queda livre, é impossível distinguir o mesmo objeto em referência inercial, pois ele age como se estivesse no espaço, desprovido de peso.
Na órbita da Terra, com amostras atômicas ultrafrias, tais experimentos poderão ser feitos para medir com alta precisão os efeitos de "arrasto de referenciais", também previsto por Einstein. Nos experimentos espaciais poderão ser feitas também comparações entre os efeitos gravitacionais sobre átomos bosônicos e fermiônicos.
"Poderemos testar efeitos da Relatividade Geral que são bem conhecidos, mas que não foram observados adequadamente. O efeito de Lense-Thirring, por exemplo, foi previsto teoricamente e só na década de 1980 foram feitas medidas bastante limitadas sobre ele. Com esses condensados no espaço, poderão ser feitas medidas de altíssima precisão", explicou Barata.
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