Dos transumanistas e dos criadores de ficções como o Exterminador do Futuro e os Borgs, até os cientistas que sonham com formas artificiais de vida, o homem sempre imaginou a possibilidade se reinventar como humano melhorado.
O problema é que, apesar dos avanços das interfaces entre o eletrônico e o biológico, a conexão entre o mundo vivo e o mundo inorgânico tem-se mostrado mais complicado do que os roteiristas de Hollywood previam.
Mas os pesquisadores não estão dando demonstrações de terem desanimado.
Em um artigo que promete fazer história, cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, descrevem o desenvolvimento de uma conexão elétrica com células vivas.
Esse link direto entre biológico e eletrônico pode, no futuro, permitir a criação de células que possam ler e responder a sinais elétricos, dispositivos eletrônicos capazes de autorreplicação e de consertar a si próprios quando derem defeito, e até mesmo para a transformação eficiente da luz solar em eletricidade.
Conexão elétrica com uma célula
"Juntar os mundos vivo e não-vivo é uma imagem canônica na ficção científica," diz Caroline Ajo-Franklin, coautora do artigo. "No entanto, na maioria das tentativas para interfacear sistemas vivos e não-vivos, você espeta as células com um objeto pontiagudo duro e as células respondem de uma forma bem previsível - elas morrem."
Os cientistas então voltaram à própria natureza para buscar novas inspirações. E eles encontraram em organismos naturais que evoluíram para interagir com as rochas e minerais que fazem parte do seu ambiente - ou seja, que desenvolveram conexões com materiais fora das suas células.
O grupo usou o mesmo mecanismo para modificar geneticamente células vivas para que elas fossem capazes de disparar elétrons através de sua membrana celular, até um receptor externo, usando uma rota precisa e bem definida.
Cassete genético
Os experimentos foram feitos por Heather Jensen, que inicialmente clonou uma parte da cadeia externa de transferência de elétrons da Shewanella oneidensis MR-1, uma bactéria capaz de reduzir metais pesados em ambientes sem oxigênio.
Essa cadeia, que os cientistas chamam de "cassete genético", é essencialmente um trecho de DNA que contém as instruções para fazer a canalização de elétrons. Como toda a vida que conhecemos usa DNA, o cassete genético pode ser ligado em qualquer organismo.
A equipe mostrou que essa via eletrônica natural pode ser inserida em uma cepa inofensiva de E. coli, uma bactéria muito versátil, e por isso mesmo usada como modelo em biotecnologia.
O resultado foi o estabelecimento de um canal de elétrons entre o interior da célula viva e um mineral inorgânico - o óxido de ferro, também conhecido como ferrugem - situado do lado de fora da célula.
As bactérias que vivem em ambientes sem oxigênio, como a Shewanella, usam o óxido de ferro (FeO) presente ao seu redor para respirar, retirando o "O" do FeO.
Para isso, essas bactérias desenvolveram mecanismos para transferir diretamente as cargas elétricas para os minerais inorgânicos encontrados no fundo do mar ou no solo, de forma a quebrar a molécula e aproveitar o oxigênio.
A equipe de cientistas demonstrou que sua E. coli geneticamente modificada é capaz de reduzir as nanopartículas de ferro e de óxido de ferro até cinco vezes mais rápido do que a E. coli natural.
Fotossíntese artificial e fármacos
Os pesquisadores planejam agora implementar esse cassete genético em bactérias fotossintéticas, uma vez que os elétrons celulares dessas bactérias pode ser produzidos a partir da luz solar, o que poderá permitir a criação de baterias solares baratas e autorreplicantes.
Estas bactérias redutoras de metal também poderão ajudar na produção de fármacos, principalmente na etapa de fermentação da fabricação de drogas, que exige um bombeamento de oxigênio que consome energia intensivamente. Como elas respiram ferrugem, em vez de oxigênio, pode-se economizar energia no processo.
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