No Brasil, não havia referência de surtos da enfermidade há pelo menos 80 anos. Mas, desde 2006, casos têm sido notificados nos estados do Maranhão, Tocantins e Roraima.
Com base no pouco conhecimento que há sobre o atual surto, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) investigaram o perfil epidemiológico dos acometidos no Maranhão no período de 2006 a 2008. Os resultados foram publicados na última edição da revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz.
A suspeita de contaminação do arroz por micotoxinas de fungos que interfeririam na absorção da tiamina pelo organismo foi levantada como possível etiologia do ressurgimento do beribéri no Maranhão.
Beribéri
"Em nível mundial, o beribéri não é mais uma doença largamente difundida na população. Apenas focos isolados têm sido observados nos últimos 20 anos", explicam os estudiosos. "O padrão geográfico de ocorrência do beribéri no Maranhão, que afetou cerca de um quarto dos municípios do estado, localizados nas regiões oeste e central, é atípico".
Segundo os pesquisadores, no período estudado foram registrados 1.207 casos e 40 óbitos, tendo estes ocorridos no ano de 2006. Quase a totalidade dos óbitos ocorreu entre indivíduos do sexo masculino e em 80% desses casos eles residiam em área urbana. Homens e a faixa etária de 20 a 30 anos foram os mais acometidos.
Os dados apontam que os sintomas mais referidos, informados nas fichas de notificação, foram: diminuição da força nas pernas, dormência e edema nos membros inferiores, dificuldade de caminhar e dor na panturrilha. Dispneia (falta de ar) e cansaço também foram relatados.
"Como, no início, a sintomologia é inespecífica, há dificuldade para o diagnóstico precoce do beribéri, que geralmente ocorre somente quando os sintomas evoluem para quadros mais graves", dizem os pesquisadores. "É possível que os maranhenses acometidos praticamente não dispusessem da pequena reserva que o organismo mantém de vitaminas hidrossolúveis, uma vez que o tempo decorrido entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a notificação foi inferior a três meses para a grande maioria dos casos e óbitos".
Arroz contaminado
De acordo com os estudiosos, há a necessidade de investigar com maior profundidade os elementos associados ao beribéri que estão presentes nas regiões oeste e central do estado, mas ausentes nas demais.
"A suspeita de contaminação do arroz por micotoxinas de fungos [que interfeririam na absorção da tiamina pelo organismo] foi levantada como possível etiologia do ressurgimento do beribéri no Maranhão, uma vez que as áreas com casos notificados são produtoras de arroz; assim, a doença poderia acometer tanto os trabalhadores rurais, quanto os consumidores", destacam os pesquisadores.
"Apesar das providências adotadas, como a interdição cautelar do arroz suspeito e a substituição do arroz interditado, ainda não foi possível associar a presença do fator tóxico ao quadro clínico, o que permite concluir que a dieta restrita ao arroz polido e a baixa condição socioeconômica da maioria dos acometidos podem estar, de fato, associadas ao surto de beribéri aqui discutido".
Gasto energético
A pesquisa também evidenciou que o maior percentual de casos e óbitos no período de maio a agosto de 2006 coincidiu com o final do plantio nas atividades agrícolas nas regiões afetadas, em que os sistemas de cultivo predominantes são os de arroz, milho, mandioca e feijão.
Essas atividades seriam classificadas como pesadas e elevariam o requerimento energético e, em consequência, a exigência de tiamina. Indivíduos que já subsistem com dietas pobres da vitamina poderiam desenvolver sintomas de deficiência desta quando submetidos à atividade física intensa.
"Reitera-se a preocupação de estudiosos do problema na região, no que se refere à necessidade de se buscarem mais informações da epidemia nas suas dimensões social e econômica, as quais comprometem o acesso aos alimentos e à qualidade de vida da população", afirmam os pesquisadores.
"Considera-se pertinente que estudos sobre a determinação do processo de adoecer e morrer em decorrência de beribéri e seu ressurgimento no país sejam aprofundados, tendo em vista que casos continuam a ser notificados no Maranhão e em outros estados das regiões norte e nordeste," concluem.
Fonte: Renata Moehlecke
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