Para obter sucesso no teste, os cientistas desenvolveram uma nanoformulação - um medicamento que utiliza princípios de nanotecnologia - que utiliza lipossomas, minúsculas vesículas esféricas utilizadas para dirigir o fármaco de forma controlada com maior precisão à célula infectada.
O estudo terá seus resultados publicados esta semana na International Journal of Antimicrobial Agents, em artigo elaborado por André Gustavo Tempone, Juliana Quero Reimão - ambos do Instituo Adolfo Lutz -, Renato Arruda Mortara, da Universidade Federal de São Paulo, e Heitor Franco de Andrade, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.
Leishmaniose visceral
Fatal em mais de 90% dos casos sem tratamento, a leishmaniose visceral é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das principais doenças negligenciadas no mundo.
De acordo com André Tempone, o único fármaco desenvolvido e testado especialmente para a leishmaniose visceral é o antimônio, descoberto em 1912 por Gaspar Vianna, aluno do sanitarista Oswaldo Cruz.
Esse metal, altamente tóxico, é a base do glucantime, o fármaco-padrão usado clinicamente para o tratamento da doença até hoje.
"Partimos do conceito conhecido como piggy-back chemotherapy, que consiste em adaptar fármacos existentes para outras doenças. Embora não traga inovação, essa alternativa permite colocar o medicamento no mercado com mais rapidez, eliminando etapas de testes de toxicidade", disse Tempone.
Furazolidona
O medicamento testado pelos cientistas para a leishmaniose visceral foi a furazolidona. Descoberto na década de 1940, o fármaco é utilizado para o tratamento da giardíase e, atualmente, também contra a Helicobacter pylori, bactéria causadora da úlcera gástrica.
"A furazolidona já tinha mostrado uma atividade anti-leishmania em testes feitos na década de 1980 em modelos animais, mas apresentou eficácia muito baixa contra a Leishmania donovani, que é o subgênero comum na Índia. Também mostrou baixa eficácia em testes clínicos com humanos contra a Leishmania braziliensis, que causa a leishmaniose cutânea", explicou.
O grupo coordenado por Tempone, no entanto, fez testes para a Leishmania chagasi, causadora da forma visceral da doença no Brasil.
"Constatamos pela primeira vez que o medicamento era ativo contra esse protozoário. A partir disso, decidimos utilizar a nanoformulação de lipossomas, pois sabíamos que ela iria mudar o perfil de distribuição da droga no organismo", disse.
Nanomedicamento
Com a nanoformulação, o fármaco é encapsulado no interior de partículas microscópicas e enviado pela corrente sanguínea. Com isso, é dirigido com maior precisão à célula infectada, em doses muito mais baixas, minimizando a toxicidade no organismo e aumentando a eficácia do tratamento.
"A furazolidona foi encapsulada em nanolipossomos de cerca de 150 nanômetros. A formulação, que desenvolvo desde o meu doutorado, foi pensada para se ligar ao receptor do macrófago, que é a célula hospedeira. Além da formulação carregar o fármaco para a célula infectada, ela fez com que o medicamento se fundisse com o parasita. Foi um direcionamento seletivo", contou Tempone.
Segundo ele, um primeiro artigo foi publicado em março na revista Parasitology Research, com os resultados dos ensaios in vitro e os estudos sobre as alterações causadas no parasita. "No novo artigo descrevemos os resultados dos estudos em modelos animais", disse.
Antimônio
A furazolidona livre, sem a formulação lipossomal, foi capaz de tratar a leishmaniose visceral com eficácia comparável à do antimônio, que tem toxicidade muito mais alta.
"Nos modelos animais, o antimônio reduziu o número de parasitas em 90%, enquanto a furazolidona, com a mesma dose, causou uma redução de 85%, o que é uma diferença mínima em termos estatísticos", disse Tampone.
Com a formulação lipossomal da furazolidona, os cientistas conseguiram uma redução de 75% do número de parasitas no baço, com uma dose 100 vezes menor que aquela utilizada com o fármaco livre.
"A aplicação de furazolidona livre na proporção de 50 miligramas por quilo fez o mesmo efeito do medicamento encapsulado em lipossomas na razão de 0,5 miligrama por quilo", afirmou Tampone.
Leishmaniose visceral no Brasil
O baço e o fígado são os órgãos em que há maior carga parasitária na leishmaniose visceral. O tratamento foi administrado por via intraperitonial. "No futuro, pretendemos testar essa formulação em doses maiores e em diferentes vias de administração, como por via intramuscular e intravenosa", disse.
Os dados mais recentes do Ministério da Saúde mostravam avanço da leishmaniose visceral no Brasil, com um aumento de 61% entre 2001 e 2006, quando foram registrados 4.526 casos. Em 2007, foram registrados cerca de 5 mil casos da doença, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
A leishmaniose é transmitida pela picada de flebotomíneos, hospedeiros do parasita leishmânia. O inseto se contamina ao sugar o sangue de mamíferos infectados e, ao picar um animal ou pessoa sadia, o flebótomo injeta secreção salivar com as leishmânias.
A forma tegumentar da doença atinge as mucosas do corpo e causa lesões na pele, enquanto a leishmaniose visceral ataca o fígado humano e pode levar o indivíduo à morte.
Fonte: Diário da Saúde
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