No entanto, em certos tipos de câncer, há uma inibição da expressão dessa proteína, conhecida como TRAIL (sigla em inglês para ligante indutor de apoptose relacionada ao fator de necrose tumoral), o que permite a evolução do tumor.
Agora, uma equipe de cientistas brasileiros desvendou um mecanismo molecular que controla a expressão da TRAIL na leucemia mieloide crônica (LMC).
O estudo, que mostrou como a "armadilha contra o câncer" é desmontada, abre caminho para a investigação de alternativas terapêuticas para a doença.
Morte programada
Segundo Gustavo Amarante-Mendes, um dos autores do trabalho, a proteína TRAIL induz suas células-alvo à morte iniciando um complexo e bem regulado programa molecular conhecido como apoptose, que é acionado durante o desenvolvimento embrionário, para formar de maneira apropriada órgãos e tecidos.
Na vida adulta, a apoptose - ou morte celular - desempenha um papel fundamental na renovação das células.
"Os defeitos no processo de apoptose são observados em diversas formas de câncer, e a aquisição de resistência à apoptose é considerada uma das etapas do processo de gênese do tumor.
"Algumas formas de câncer são capazes de desenvolver resistência à morte induzida pela TRAIL. Outras, como a LMC [leucemia mieloide crônica], inibem a produção da TRAIL, escapando desse importante mecanismo de defesa. Nosso estudo demonstrou o funcionamento desse mecanismo molecular," disse Amarante-Mendes.
Leucemia mieloide crônica
A leucemia mieloide crônica, segundo o cientista, é causada por uma proteína quimérica - isto é, que não deveria existir normalmente no organismo -, que surge como resultado de uma "confusão" entre os cromossomos 9 e 22, que trocam trechos entre si.
"É o que se chama de translocação gênica: a proteína ABL, do cromossomo 9, é transferida para a região BCR do cromossomo 22. Isso gera um cromossomo atípico, denominado cromossomo Filadélfia, associado à LMC. O nosso estudo investigou os mecanismos moleculares responsáveis pela inibição da expressão de TRAIL nas células leucêmicas BCR-ABL-positivas", explicou.
Inicialmente, a equipe observou que a expressão da TRAIL diminuía expressivamente com a progressão da LMC e essa diminuição estava diretamente relacionada a um aumento na expressão de uma outra proteína: a PRAME (sigla em inglês para antígeno preferencialmente expresso do melanoma).
"A PRAME normalmente não é encontrada em células normais, mas está presente com frequência nas células tumorais. Depois de constatar isso, nós observamos que a PRAME é diretamente responsável por inibir a expressão de TRAIL em células leucêmicas", disse Amarante-Mendes.
De acordo com ele, a PRAME é responsável por recrutar proteínas capazes de inibir a transcrição gênica por meio de mecanismos epigenéticos.
"O trabalho mostrou também que esse mecanismo tem implicações terapêuticas para a LMC, uma vez que a inibição de PRAME, por RNA de interferência, é capaz de gerar uma maior expressão de TRAIL, deixando as células leucêmicas mais suscetíveis à apoptose e, consequentemente, à terapia", afirmou.
Bala mágica
Quando a TRAIL foi descoberta, em 1995, pelo fato de matar as linhagens celulares em culturas tumorais preservando, ao mesmo tempo, as linhagens primárias, a proteína foi considerada uma "bala mágica" para o futuro do tratamento do câncer.
Alguns tratamentos clínicos com base na TRAIL chegaram a ser desenvolvidos.
"O problema é que algumas formas de câncer são resistentes a essa sinalização. Em outras formas, como no caso estudado, o gene BCR-ABL mantém baixa a expressão de TRAIL. Por isso focamos os estudos na tarefa de desvendar esse mecanismo", disse Amarante-Mendes.
É possível que o mesmo mecanismo desvendado pelos pesquisadores, segundo ele, possa ocorrer não só na LMC, mas também em outros tipos de tumores onde a expressão de PRAME é elevada.
"Essa possibilidade - e suas implicações clínicas - é o próximo passo para os nossos estudos", disse o cientista.
Fonte: Agência Fapesp
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