Na primeira pesquisa, o grupo estudou os efeitos das estatinas na inflamação durante e após o infarto do miocárdio. Estatinas são lipoproteínas empregadas para tratar os altos níveis de colesterol.
Na segunda eles se concentraram na própria ação do HDL - lipoproteína conhecida como colesterol bom, capaz de limpar as artérias de placas de gordura.
Infarto brasileiro
"Quando o indivíduo tem um infarto, o risco de morte ou recorrência no primeiro ano varia de 15% a 30%.
"No Brasil, nos últimos 50 anos, copiamos e acompanhamos a produção científica feita nos países do primeiro mundo. Era a mesma coisa que vestir um paciente com uma roupa larga demais.
"Com a Coorte Brasil, criamos novas linhas de investigação a partir da colaboração de especialistas em trabalhos multicêntricos.
"Pegamos indivíduos brasileiros infartados atendidos na rede pública e acompanhamos esses pacientes por até quatro anos. Fazemos o tratamento modelo do que se faz no mundo e tentamos descobrir o que deu certo ou errado", explica o cardiologista Andrei Sposito, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
Tratamento com estatinas
Embora vários estudos internacionais já tivessem abordado o papel das estatinas no infarto do miocárdio, havia uma lacuna.
A dose de estatinas aplicadas nos pacientes variou muito entre os estudos e o tempo de aplicação do medicamento também.
Segundo Sposito, a fase aguda do infarto dura 48 horas. Em 24 horas após o início do infarto, a atividade inflamatória aumenta 30 vezes e pode deixar sequelas, cicatrizes no músculo cardíaco, que não são reparadas.
Em pacientes crônicos, as estatinas reduzem de 2% para 1% o risco anual de infarto e deve ser dada até 12 horas após o início dos sintomas.
Com base em estudos clínicos, as sociedades norte-americanas, europeias e brasileiras dizem que não se deve dar estatinas até dez dias após o infarto ou pré-alta.
"As estatinas foram criadas para reduzir o colesterol e um dos paraefeitos é diminuir a formação de trombos e a atividade inflamatória do coração. Alguns estudos mostravam que havia benefício, outros não, mas a metodologia não era padronizada. Resolvemos, então, refazer os estudos em 125 pacientes com infarto do miocárdio", explica Sposito.
Nos primeiros sete dias, os pacientes que não usaram estatinas tiveram um aumento da atividade inflamatória do coração, e essa inflamação foi cada vez menor conforme o aumento da dose do medicamento.
Nos pacientes que receberam 80 miligramas de estatina, essa inflamação quase não aconteceu.
Após 30 dias, foi avaliada a função vasomotora do coração dos pacientes e os que não foram tratados intensamente na fase aguda tinham pior função vasomotora.
Essa pesquisa responde duas questões: primeiro, quanto mais intenso o tratamento, maior a atenuação da inflamação; segundo, a redução da atividade inflamatória tem impacto a médio prazo, independentemente do que o paciente fizer depois da alta.
"O ideal é introduzir a dose mais alta de estatinas quando o paciente chega e não como orientam as diretrizes mundo afora, na pré-alta. Se você não tratar bem no início, ele vai carregar uma sequela. Aquilo que você faz na fase aguda, fica", alerta Sposito.
HDL e hiperglicemia
As lipoproteínas de alta densidade (HDL) são uma família de partículas heterogêneas que variam de tamanho, densidade e composição química. O HDL apresenta ações bem descritas sobre mecanismos protetores contra a aterosclerose - placas de gordura que se formam nas paredes dos vasos sanguíneos.
No infarto do miocárdio, elevados níveis de radicais livres são produzidos logo após o rompimento da artéria. Estudos internacionais mostram que o estresse oxidativo no pós-infarto contribui direta e indiretamente para resistência à insulina e resposta inflamatória.
"A pesquisa focou nos baixos níveis de HDL - colesterol bom - como fator de desenvolvimento de hiperglicemia na fase aguda. A hiperglicemia tem sido relacionada a maiores chances de óbito e outras complicações no primeiro ano após o infarto. Ao mesmo tempo, em modelos animais em condições estáveis, o HDL é capaz de reduzir a hiperglicemia. Entretanto, esse dado jamais havia sido testado em humanos sob estresse agudo", explica Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, membro da equipe.
"Nós demonstramos pela primeira vez que níveis mais elevados de HDL se relacionam a uma acelerada recuperação da hiperglicemia. Isso se deve a uma acelerada recuperação da sensibilidade à insulina e da capacidade de secreção pelo pâncreas promovidas pelo HDL.
"Este trabalho representa, por um lado, uma compreensão mais detalhada sobre o HDL baixo como um fator de piora do infarto e, por outro, o entendimento de mecanismos para a relação entre o HDL e a hiperglicemia de estresse em pacientes infartados.
"Resumindo: pacientes infartados com HDL baixo têm mais chance de desenvolver hiperglicemia e resistência à insulina, o que aumenta os riscos de morte no primeiro ano da doença", explica Luiz Sérgio.
Evitando complicações
De acordo com Sposito, há ainda uma relevância social, médica, biológica e econômica em identificar alterações bioquímicas nas fases mais precoces do infarto. Qualquer pessoa que atender um paciente infartado, com HDL baixo, saberá que esse indivíduo tem um risco maior de ter hiperglicemia. O médico deve, então, redobrar a atenção e ponderar se deve usar ações mais invasivas ou não.
"Cateterismo tem risco de complicação. Cirurgia tem risco de complicação. Identificando marcadores de risco, o médico pode escolhe o melhor tratamento para o paciente", explica Sposito.
A pesquisa abre a perspectiva do HDL como alvo-terapêutico, mas suscita perguntas como: será que vale a pena aumentar o HDL do paciente infartado uma vez que o HDL baixo é pior para o paciente?
"Para se provar uma evidência científica, é preciso que várias pessoas ou grupos testem. A partir do alerta deste estudo, isso será pesquisado. Daqui a pouco, alguém vai juntar tudo isso e teremos um panorama completo da glicemia na fase agudo do infarto", explica Sposito.
Infarto do miocárdio
As doenças cardiovasculares representam 30% de todas as causas de morte no mundo e de 65% de indivíduos entre 30 e 69 anos de idade no Brasil.
A doença cardíaca isquêmica e a doença cerebrovascular representam 21% de todas as causas de morte e o número de casos vem aumentando.
Seguindo a mesma tendência, o infarto do miocárdio é hoje uma das mais frequentes causas de óbito e a maior de morte súbita.
O infarto do miocárdio é popularmente conhecido como ataque cardíaco e é causado pela redução do fluxo sanguíneo do coração.
Tratamentos para diminuir o tamanho do infarto e reduzir as complicações envolvem cuidados gerais como repouso, monitorização intensiva da evolução da doença, uso de medicações e procedimentos invasivos, como angioplastia coronária e cirurgia cardíaca.
O tratamento é diferente conforme a pessoa, já que áreas diferentes do coração podem ser afetadas.
Fonte: Jornal da Unicamp
Nenhum comentário:
Postar um comentário