domingo, 10 de janeiro de 2010

Ordem a partir da desordem: Entropia sozinha cria cristais complexos

Ordem a partir da ordem e ordem a partir da desordem são expressões tornadas famosas por Erwin Schrodinger, no livro O Que é Vida?, que inspirou toda uma geração de biólogos - fazendo-os de certa forma perder a noção do todo, mas levando à infinidade de progressos advindos da biologia molecular.

Agora, em um estudo que eleva o papel da entropia na criação de ordem - assunto extensamente discutido por Schrodinger, embora num enfoque diferente - pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, revelaram que certos formatos de pirâmide podem se organizar espontaneamente em quasicristais complexos.

Um quasicristal é um sólido cujos componentes apresentam uma ordem de longo alcance, mas sem um padrão único ou uma unidade celular que se repete. Sem a "chatice" dos cristais, diria Schrodinger, talvez a meio caminho dos cristais aperiódicos que ele propôs.

Entropia criando ordem

Entropia é uma medida do número de maneiras que os componentes de um sistema podem ser organizados. Embora comumente ligada à desordem, a entropia também pode causar a ordem, fazendo os objetos se organizarem.

Os pesquisadores se concentraram em uma pirâmide tetraédrica, um poliedro triangular tridimensional de quatro faces. Eles tentavam descobrir qual era a maior quantidade possível de pirâmides que eles conseguiam empacotar num determinado espaço.

Até há pouco tempo se acreditava que os tetraedros eram os únicos sólidos que se podia acondicionar num espaço de forma menos densa do que as esferas. Apenas em 2008, Elizabeth Chen, também da Universidade de Michigan, demonstrou que essa especulação estava incorreta. O atual estudo superou a solução de Chen, alcançando o que se acredita ser o mais denso empacotamento possível de tetraedros.

Beleza emergente

Mas o melhor ainda estava por vir.

Nas simulações feitas em computador, os tetraedros se organizaram espontaneamente em um quasicristal e assumiram posições que, quando comprimidas, ocuparam até 83 por cento do espaço.

"Os tetraedros são os sólidos regulares mais simples que existem, enquanto os quasicristais estão entre as estruturas mais complexas e belas produzidas pela natureza. É surpreendente e totalmente inesperado que a entropia sozinha possa produzir esse nível de complexidade," disse Sharon Glotzer, coordenador do estudo.

A descoberta pode levar ao desenvolvimento de uma grande variedade de novos materiais, com propriedades derivadas da sua estrutura, afirma Rolfe Petschek, que participou da pesquisa fazendo a caracterização matemática da estrutura. "Um quasicristal terá propriedades diferentes de um cristal ou de um sólido comum."

Como a complexidade surge na natureza

Este é o primeiro experimento que demonstra uma auto-organização de partículas duras, não-biológicas, sem ajuda de interações atrativas, como ligações químicas.

"Nossos resultados vão ao âmago das transições de fase e à questão da forma como a complexidade surge na natureza e nos materiais sintéticos que fabricamos", disse Glotzer. "Sabíamos que a entropia por si própria podia produzir a ordem, mas não esperávamos que ela produzisse uma ordem tão intrincada. O que mais poderia ser possível apenas devido à entropia?"

A vida, por exemplo? Quiséramos que Schrodinger estivesse vivo para dar um palpite.

Glotzer afirma que a descoberta mais importante, muito além do empacotamento de figuras geométricas, é que os tetraedros inesperadamente podem auto-organizar-se em quasicristais complicados num determinado estágio da simulação em computador.

Aliás, neste momento mágico eles ocupam apenas cerca de metade do espaço no campo teórico onde se está tentando empacotá-los.

Aplicações práticas

Os cientistas estão entusiasmados com as possíveis aplicações da sua descoberta e das novas estruturas que poderão surgir a partir dela.

"Construído com os materiais corretos, este inesperado quasicristal tetraédrico poderá ter propriedades ópticas únicas que poderiam ser muito interessantes e úteis", disse Peter Palffy-Muhoray, professor na Universidade Estadual de Kent e colaborador na pesquisa.

Os possíveis usos incluem tecnologias de comunicação, óptica, invisibilidade e praticamente toda a área hoje coberta pelos metamateriais.

Isto sem contar o interesse teórico e filosófico sobre as atuais explicações sobre a vida, principalmente fundamentadas nas teorias de auto-organização. Eventualmente um prosseguimento das inspiradoras especulações de Schrodinger e de seu "cristal aperiódico," um vislumbre profético do gene, que somente seria descoberto anos mais tarde.

Se não chega a ser a "entropia negativa" proposta pelo famoso físico, a presente pesquisa mais uma vez demonstra que a natureza pode ser bem mais complexa do que imaginamos. E, sobretudo, detém mecanismos de construção com os quais ainda nem sonhamos.

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