domingo, 20 de julho de 2008

Como e quando dizer não para as crianças

Uma das tarefas mais difíceis na educação das crianças é saber a hora certa de dizer 'não'. A exposição exaustiva a brinquedos diferentes e novidades tecnológicas das mais diversas, muitas vezes, antecipa desejos e complica ainda mais a tarefa de fazer os pequenos entenderem certos limites.

De acordo com Leila Salomão Tardivo, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), não existe uma regra geral para a liberdade das crianças. “Cada família deve levar em conta seus costumes e a confiança que tem em seu filho para saber a hora certa de atender ou não a um pedido”, diz.

Para Leila, no entanto, essa confiança deve ser construída. “A família e a escola têm um papel fundamental na hora de ensinar alguns valores às crianças, sobre o que é realmente importante. Pais sempre por perto, que mostrem com exemplos e atitudes o que é certo permitem a construção de um comportamento mais maduro”, diz.

Segundo a psicóloga Patrícia Spada, doutora e pesquisadora da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os filhos estão em seu papel, por exemplo, de fazerem pedidos descabidos aos pais, como um computador, aos 6 anos, que fique somente em seu quarto e ao qual só eles tenham acesso. “Crianças, literalmente, pedem limites, pois por meio destes sentem-se amados, considerados, vistos e reconhecidos. Uma das maneiras que encontram para pedir limites é testando os pais”, afirma.

Atenção necessária

A professora e psicopedagoga Rosângela Delmando Miranda, de 38 anos, é mãe de Bianca, 11 anos, e Bruno, 7 anos. Segundo ela, deixar a filha mais velha dormir fora de casa pela primeira vez, aos 10 anos, não foi fácil. “A gente fica um pouco insegura, mas basta conhecer a família dos amigos e quem são os amigos”, diz.

Para Rosângela, é fundamental mostrar a realidade para os filhos para que eles não exagerem na hora dos pedidos. “Dou mesada para os dois como uma forma de fazê-los entender o valor do dinheiro. Está funcionando, porque quando eles querem muito alguma coisa juntam as economias e conseguem o que queriam. É importante para que eles saibam que tudo o que é muito fácil não tem valor”, afirma a professora.

Por sua experiência de convivência diária com crianças, Rosângela afirma que elas precisam de limites. “Percebo que a maior parte das mães deixa as crianças com a empregada porque tem que trabalhar e acaba não dando a atenção necessária. Essa liberdade excessiva, não se importar também é prejudicial, já que as crianças precisam de alguém que demonstre cuidado”, diz.

Idade escolar

Segundo Leila, crianças em idade escolar passam a ter uma autonomia natural. Para os pais, essa é uma boa hora para entender o processo de crescimento dos filhos. “É preciso que o pai deixe o filho um pouco livre para que ele aprenda a se defender. É claro que é importante estar por perto e fazer-se presente e preocupado, mas os pais têm que acompanhar a pauta de crescimento dos filhos para que ele não fique infantilizado”, diz.

Leila acredita que seja importante equilibrar os desejos dos filhos com aquilo que é cabível permitir. “Não se pode deixar uma criança escolher se quer ou não estudar, ou se quer ou não fazer a lição de casa, mas ela pode escolher o esporte que vai praticar, por exemplo. Por isso, volto a chamar a atenção para a necessidade de acompanhar o crescimento dos filhos de perto e fazê-los entender que cada escolha tem uma hora certa”, afirma.

Já para Patrícia, uma das formas mais eficazes de dosar essa liberdade é atender às solicitações da criança na medida em que ela mostre que é responsável e sabe se colocar bem nas situações. "Assim, ela mesma vai se sentindo mais capacitada a enfrentar as dificuldades e criar soluções próprias para seus problemas”, afirma.

Rigidez com companheirismo

A procuradora federal Ana Paula Pereira Conde, de 39 anos, é mãe de Davi, 9 anos. Segundo ela, como qualquer criança em sua idade, Davi costuma pedir muitas coisas, mas nunca fez pedidos absurdos. “Sempre fui bastante rígida com ele, então acredito que algumas coisas ele queira, mas nem chegue a pedir. Ele é um menino muito centrado e sabe lidar muito bem com o não.”

Segundo Ana Paula, o 'não' se tornou natural para Davi porque vem sempre seguido de explicação e bons exemplos. “Costumo dizer o porquê de ele não poder fazer determinada coisa, e ele acaba chegando à mesma conclusão que eu, e concorda. Além disso, eu e meu marido damos exemplos e isso torna as coisas mais fáceis”, diz.

O contato próximo com os pais e atividades com os colegas de vizinhança, para Ana Paula, favoreceram o fato de Davi não ser muito ligado a pedidos materiais. “É claro que ele pede as coisas, e muitas coisas, mas muito por influência dos amigos. Acho que o mais importante é que ele sabe entender as diferenças entre cada família e o desejo por um computador, por exemplo, passa, sem que precisemos necessariamente negar”, afirma.

Expectativas

Para Patrícia, os conflitos sobre a educação dos filhos surgem antes do nascimento, quando o bebê, tão sonhado, idealizado e esperado pelos pais, vem ao mundo com seu jeito próprio e completamente singular de ser.

“Por volta dos seis anos, o filho pode pedir para ir dormir na casa de um amigo. Nesse momento, vale avaliar o quanto é importante seguir de perto o que acontece no mundo da criança. Quem são seus amigos, como são seus pais, a criação que esses amigos recebem, enfim, tudo isso deve estar de acordo com a criação dada a seu filho. Se está, então tudo bem. É o momento perfeito para que ele comece a pôr em prática a socialização fora do ambiente do lar”, afirma a especialista.

No entanto, segundo a psicóloga, nem sempre esse processo é tão simples. “Os filhos têm um ‘radar’ muito poderoso capaz de captar as emoções de seus pais. Por isso, não adianta falar, e sim, dar o exemplo. É importante que os pais estejam realmente seguros de que podem deixar o filho dormir fora de casa, e essa confiança se estabelece com o tempo, em um trabalho conjunto entre pais e filhos”, diz.

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