sábado, 27 de dezembro de 2008

Peças de automóvel viram incubadora de baixo custo para recém-nascidos

A fonte de calor é um par de faróis. Um alarme de carro sinaliza emergências. Um filtro de ar automotivo e um ventilador oferecem controle de temperatura. Mas essa concepção não tem nenhuma relação com transportes. Trata-se de uma robusta incubadora de baixo custo, projetada para manter aquecidos recém-nascidos vulneráveis durante os primeiros frágeis dias de vida.

Ao contrário das incubadoras de alta manutenção encontradas em unidades neonatais de tratamento intensivo dos Estados Unidos, essa é facilmente reparada, pois todas as suas peças operacionais vieram de veículos.

Enquanto incubadoras chegam a custar US$ 40 mil ou mais, essa pode ser construída por menos de mil dólares.

Os criadores da incubadora feita com peças de carro – um projeto promovido pela Iniciativa para a Saúde Global do Center for Integration of Medicine and Innovative Technology, ou Cimit, uma parceria sem fins lucrativos de hospitais e faculdades de engenharia de Boston – dizem que ela pode prevenir milhões de mortes de recém-nascidos nos países em desenvolvimento.

As principais causas de morte dos bebês – infecções, parto pré-maturo e asfixia – são prontamente tratadas com o conhecimento e o equipamento adequados, afirmou Kristian Olson, principal pesquisador do projeto.

"É tão frustrante ver essas mortes que podem ser evitadas", disse ele. "As pessoas não dão nomes aos bebês em Aceh, Indonésia, até eles completarem dois meses de vida. É uma adaptação cultural para a espera da morte."

Simples e complicado

Mecanicamente, incubadoras são dispositivos simples, que oferecem um ambiente aquecido, limpo e semelhante ao útero materno, no qual um bebê pode amadurecer (apesar de modelos ultra-modernos terem acessórios como máquinas de raio-X embutidas e colchões rotatórios). O pouco peso no nascimento e outros problemas fazem com que seja especialmente difícil para os recém-nascidos regularem sua temperatura corporal, uma condição que pode levar à falência de órgãos.

Na incubadora feita com peças automotivas, bebês nascidos com 32 semanas de gestação ou mais podem receber oxigênio suplementar enquanto seus pulmões ganham força, antibióticos se eles têm infecção, e um ambiente escurinho e tranqüilo onde dormir se as mães estão ausentes ou não são capazes de segurá-los nos braços. Em caso de emergência, o berço da incubadora pode ser removido e carregado para outra parte do prédio ou até para outro hospital.

Na verdade, afirmam especialistas, os países em desenvolvimento não precisam de mais incubadoras. Eles precisam de incubadoras que funcionem. Durante anos, milhares de equipamentos foram doados por países ricos e acabaram em "cemitérios de incubadoras" – a maioria quebrada, algumas nunca usadas. Segundo um estudo de 2007 da Duke University, 96% dos equipamentos médicos doados por estrangeiros falham dentro de cinco anos após a doação – a maioria devido a problemas elétricos, como picos de voltagem ou quedas de energia, ou devido a problemas de treinamento, como deixar de enviar manuais de uso junto com os equipamentos.

Para compensar essa miopia filantrópica, equipes médias ajustam a temperatura em "sala de incubadoras" para 38ºC ou mais, ou enfaixam os bebês em plástico para manter a temperatura corporal.

Essas soluções improvisadas levaram à equipe de Boston a perguntar: Como podemos fazer uma incubadora para países em desenvolvimento que possa ser consertada?

Nasce uma idéia

Uma pessoa que opinou sobre essa pergunta em 2006 foi Jonathan Rosen, então diretor do programa de implementação de tecnologia do Cimit. Defensor da tecnologia biomédica sustentável, Rosen, hoje na Boston University School of Management, usa o termo "recurso orgânico" para descrever o princípio de criar equipamentos médicos a partir de qualquer material abundante localmente.

Em suas conversas com médicos atuantes em regiões pobres, Rosen aprendeu que não importa o quanto um local é remoto, sempre há um Toyota 4Runner funcionando bem.

Foi seu momento "eureka", como lembrou depois: Por que não construir uma incubadora a partir de peças usadas ou novas de carros, e ensinar mecânicos locais a serem tecnólogos médicos?

Cimit contratou a Design That Matters, uma instituição sem fins lucrativos de Cambridge, Massachusetts, para projetar a máquina. "A idéia era começar com um 4Runner", contou Timothy Prestero, fundador e diretor executivo da instituição, "e eliminar todas as partes que não eram de uma incubadora."

O resultado foi um equipamento de aparência séria, azul-acinzentado, que lembra um carrinho de bebê cibernético, mas se encaixa confortavelmente em hospitais e clínicas com poucos recursos. O suprimento das partes de substituição é praticamente ilimitado, pois o protótipo modular pode ser adaptado para qualquer tipo e modelo de carro.

"Um ferro-velho é uma excelente fonte de peças", disse Robert Malkin, diretor do Engineering World Health, um programa da Duke University, que não é afiliado do projeto da incubadora. "Temos designs para bombas e aspiradores cirúrgicos formados por peças de automóveis."

O pessoal da manutenção estará no centro disso tudo. "Os futuros tecnólogos da área médica, nos países em desenvolvimento", disse Malkin, "são os atuais mecânicos, técnicos de ar condicionado, pessoas que consertam bicicletas. Não existe outra boa fonte de indivíduos com conhecimento tecnológico para assumir o futuro do reparo e da manutenção de equipamentos médicos."

Questões em aberto

No entanto, nem todos concordam que a incubadora de peças de carro seja a melhor solução para combater a morte de recém-nascidos. Os mais céticos mencionam uma série de artigos publicados em 2005 no periódico britânico "The Lancet" listando intervenções comprovadas – incluindo visitas à mãe durante a gravidez, cuidados especializados no parto e tratamentos de emergência – que poderiam eliminar até 72% das mortes neonatais no mundo todo.

"Mesmo se nós só fizermos o que sabemos, poderíamos poupar cerca de dois terços dos bebês que estão morrendo", sustentou Stephen Wall, experiente consultor de pesquisa da Save the Children, uma organização sem fins lucrativos independente.

Em seu trabalho em países sem recursos, Wall tem promovido amplamente uma estratégia chamada de "canguru", na qual um bebê é colocado no peito da mãe imediatamente e continuamente após o nascimento, garantindo contato aquecido pele com pele da mãe com o bebê, além da amamentação.

O método tem provado aumentar taxa de sobrevivência de bebês abaixo do peso que são medicamente estáveis, e Wall afirma que trabalhadores da área de saúde do mundo todo deveriam promover a prática com mais ênfase antes de endossar um novo equipamento. Ele observa que a maioria dos bebês em países em desenvolvimento não nasce em hospitais, mas em casa.

"Por enquanto", disse ele, "existe uma necessidade urgente de oferecer soluções simples que possam ser usadas pelas famílias, informações que possam ser compartilhadas através de agentes de saúde trabalhando junto à comunidade, grupos de mulheres ou outros mecanismos comunitários."

Porém, outros têm uma opinião diferente a respeito. "Mães doentes incapazes de cuidar do filho, e mães que não podem amamentar, não podem recorrer à prática do canguru", afirmou Malkin, da Duke. Nem as mães obrigadas a voltar a trabalhar para sustentar suas famílias, nem aquelas cuja cultura determina que os bebês sejam carregados nas costas, não na frente.

Além disso, por si só, o método canguru não é suficiente para ajudar os bebês menores e mais doentes. Apesar dos bebês abaixo do peso corresponderem a somente 14% dos nascidos, eles respondem por 60 ou até 80% das mortes neonatais.

"A conclusão é: sim, precisamos de tecnologias mais simples em hospitais para os casos complicados", sustentou Renee Van de Weerdt, chefe de saúde maternal, de recém-nascidos e infantil da Unicef. "Ao mesmo tempo, precisamos acelerar os esforços para ampliar o uso dos cuidados pele a pele para os casos menos complicados".

A incubadora de peças automotivas recebeu US$ 150 mil em financiamentos iniciais do Cimit. A equipe do projeto está buscando apoio institucional para desenvolver um protótipo. Por não depender de produtos ou processos originais, a incubadora muito provavelmente não será patenteada, apesar do Hospital Geral de Massachusetts e o Design That Matters compartilharem os direitos de propriedade intelectual.

Ao mesmo tempo, a equipe está refinando seu modelo de negócios e solidificando parcerias comerciais no exterior. "A tecnologia é a parte menos difícil do problema", comentou Mr. Prestero. "Produzir, financiar, distribuir, obter aprovação regulamentar: essas são as principais barreiras. Não existem muitos exemplos de sucesso de um produto produzido em escala direcionado aos pobres".

Se organismos internacionais de saúde, como a Organização Mundial de Saúde e o Fundo para a População das Nações Unidas, endossarem a incubadora, ele disse, isso poderia acelerar a adoção do equipamento pelos países em desenvolvimento, mesmo sem o apoio da Food and Drug Administration, dos Estados Unidos.

Olson afirma que sua determinação para criar uma incubadora barata e confiável – e o treinamento médico para acompanhar – foi reforçada em uma viagem realizada este ano para o Hospital Cut Nyak Dhien, um edifício de concreto de um andar na cidade de Meulaboh, Indonésia, devastada pelo tsunami.

"Quando entrei na sala das incubadoras", ele disse, "uma família inteira chorava ao redor de um berço". O bebê deles, de sete meses, havia nascido levemente abaixo do peso e sofria de infecção. Ele acabara de morrer, após ficar deitado por horas em um berço frio. Com o calor e os cuidados adequados, ele poderia ter sobrevivido.

Havia também seis incubadoras de alta tecnologia, doadas do Ocidente, entulhando a sala. Nenhuma delas funcionava.

Fonte: G1

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