Quando estudam um conjunto qualquer de átomos isolados, geralmente em um gás, os físicos chamam essa porção de matéria de sistema. E, dada a agitação dos átomos, um sistema tem sempre um grau de desordem. Os físicos chamam essa desordem de entropia.
Como os átomos não se acalmam facilmente, e estão sempre se empurrando mutuamente no interior do sistema, o resultado é que a bagunça é cada vez maior - ou, como dizem os físicos, a tendência natural da entropia é aumentar.
A luta é ferrenha porque, se os átomos não se cansam, os físicos também não desistem facilmente e continuam em sua batalha para resfriar os átomos cada vez mais.
O limite é o chamado zero absoluto, ou 0 Kelvin, equivalente a -273,15 ºC, um estado no qual os átomos atingiriam o nirvana e ficariam absolutamente calmos, com toda a força expressiva que as palavras absolutamente e calma possam ter - os físicos preferirão dizer que, nesse ponto, não haverá energia no sistema.
Como, por tudo o que sabemos, o zero absoluto é inatingível, a guerra é para se aproximar dele o mais possível. O recorde atual é 500 picoKelvin, alcançado por uma equipe do MIT em 2003 - isso equivale a 500 unidades de 10-12 Kelvin. É muito próximo. E muito frio.
O problema é que nem isso aquieta os átomos e nem tampouco os ânimos dos físicos. Nem nanokelvins e nem picokelvins são frios o suficiente para eliminar a entropia. E isso é ruim, porque, quando começam a se acalmar, os átomos exibem comportamentos muito interessantes - eles ficam supercondutores, transformam-se em superfluidos, capazes de escoar sem atrito e passam a seguir a cartilha da mecânica quântica, por exemplo.
Na física, como nos esportes, bater recordes é difícil. As dificuldades para resfriar a matéria ainda mais crescem exponencialmente quando nos aproximamos do zero absoluto. Isso significa que, na prática, a ciência como que encontrou uma barreira, além da qual parece muito difícil avançar.
Mas, se não há finais na busca da ciência pelo conhecimento, há momentos felizes que, por mais fugazes que sejam, valem por uma eternidade. E por isso precisam ser comemorados.
Então, viva o trabalho do Dr. Jacopo Catani e seus colegas das universidades de Florença e Trento, na Itália.
Já que não é possível reduzir a desordem, Catani e sua equipe descobriram uma forma de simplesmente movê-la para outro lugar. Eles descobriram como mover a entropia de um sistema para outro. É mais ou menos como uma geladeira doméstica, que retira o calor de seu interior e o despeja do lado de fora. Poderíamos dizer que é uma geladeira quântica - não acrescenta muita coisa, mas fica bonito.
O princípio de funcionamento do nosso removedor de entropia é o seguinte: coloque dois gases muito próximos um do outro - um deles é o gás que será estudado e o outro servirá como refrigerante. Expanda o volume do gás refrigerante, fazendo com que sua temperatura caia. Isso fará com que ele absorva a entropia do gás que será estudado.
Simples na teoria, mas muito difícil de realizar. Felizmente, o oposto também funciona - comprimir um gás significa que sua temperatura irá aumentar. E comprimir um gás nessas condições é mais simples do que ampliar seu volume e manter tudo o mais constante. Então, em vez de expandir o gás refrigerante, basta comprimir o gás a ser estudado - na prática, o efeito é o mesmo, porque o volume do gás refrigerante terá se expandido em relação ao volume do gás a ser estudado. E pronto, a entropia do gás fluirá naturalmente para o refrigerante.
O aparato consiste em duas nuvens de átomos, uma com átomos de potássio e outra com átomos de rubídio, ambas aprisionadas em uma armadilha magnética, para ficarem devidamente isoladas do meio. Os cientistas escolheram um raio laser que emite luz em um comprimento de onda que interage com os átomos de potássio, mas que tem pouco efeito sobre os átomos de rubídio (os dois elementos têm ressonâncias ópticas diferentes, o que significa que eles receberão diferentes forças ópticas quando expostos ao mesmo laser).
Direcionando o laser para a nuvem de átomos de potássio, eles comprimiram a nuvem graças à pressão radiante da luz. E lá se foi a entropia para os átomos de rubídio.
Embora nenhum dos passos isolados desta experiência seja um avanço por si só, o "transportador de bagunça" dos físicos italianos tem duas vantagens fenomenais. A primeira é que, ao contrário de experimentos similares, o gás refrigerante não evapora. O sistema funciona como uma geladeira mesmo, o refrigerante fica lá e a entropia pode ser devolvida para o gás de estudo, e trazida de volta, e assim por diante, quantas vezes forem necessárias. Para coletar dados significativos de maneira confiável é uma ferramenta impagável.
A segunda vantagem é que o gás refrigerante funciona como um indicador da bagunça que reina no gás que se está estudando - ou, como diriam os físicos, como um sensor para a variação da entropia no gás de estudo. Um termômetro, por assim dizer. Variações nessa entropia são indicadoras diretas de transições de fase no gás estudado - por exemplo, transições de fase que marcam a passagem pela condensação de Bose-Einstein, com todo o interesse científico que isso gera.
O experimento deverá permitir uma nova etapa nas pesquisas de sistemas quânticos em geral, uma vez que se poderá estudar materiais sem precisar conhecer a priori seus diagramas de fase - bastará utilizar um gás refrigerante de comportamento conhecido e, usando-o como um sensor, monitorar o que está acontecendo no sistema em estudo. E medir a temperatura de átomos aprisionados em redes ópticas, descobrir novas fases quânticas ainda desconhecidas, e por aí vai.
Além de novos avanços na ciência básica, é de se esperar grandes repercussões nas pesquisas ligadas à computação quântica, que usam os condensados quânticos como qubits.
De quebra, mas nem todos os físicos falam disso, talvez seja necessário, um pouco mais no futuro, mexer em algumas definições básicas, como na escala Kelvin de temperaturas.
Fonte: Agostinho Rosa
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