Uma nova fonte de energia tão controversa que alguns cientistas chegaram a taxá-la de "lixo científico" parece agora estar mais perto de ser aceita pela comunidade científica.
Esta pelo menos é a conclusão do organizador do maior evento científico já realizado sobre o tema.
A fusão nuclear a frio foi discutida nos últimos dois dias, durante o Encontro Nacional da American Chemical Society (ACS), nos Estados Unidos.
"Até alguns anos atrás, muitos cientistas tinham medo de falar sobre a "fusão fria" para um público de elite," disse Jan Marwan, que organizou o simpósio. Agora, ele conseguiu reunir nada menos do que 50 apresentações descrevendo as últimas descobertas sobre o tema.
Progressos na fusão a frio
Uma das apresentações que mais chamou a atenção descreveu a invenção de um novo dispositivo de medição de baixo custo que poderá permitir que um número maior de laboratórios comece a pesquisar a fusão a frio.
Marwan ressalta que muitas das apresentações sugerem que a fusão a frio é real, com potencial para contribuir para o abastecimento de energia ainda no século 21, criando uma nova fonte de energia limpa.
Um grupo, por exemplo, relatou progressos rumo a uma bateria baseada em fusão a frio. Outra apresentação sugeriu que a fusão a frio pode ocorrer naturalmente em certas bactérias.
"Mais e mais pessoas estão se interessando pela fusão a frio. Ainda há alguma resistência a este campo. Mas nós temos simplesmente que continuar fazendo o que temos feito até agora, explorando a fusão a frio passo a passo, e isto irá torná-la uma fonte de energia alternativa bem-sucedida. Com tempo e paciência, eu estou muito otimista que podemos fazer isso," diz Marwan.
Fusão nuclear a frio
O termo "fusão nuclear a frio" surgiu em 1989, quando Martin Fleishmann e Stanley Pons reivindicaram a realização da fusão nuclear em temperatura ambiente, usando um dispositivo pequeno e barato, que cabia em cima de uma mesa.
O anúncio causou sensação, porque a fusão nuclear tem potencial para dar ao mundo uma fonte praticamente inesgotável de energia. A fusão nuclear é a reação que alimenta as estrelas, quando átomos se juntam, liberando quantidades enormes de energia.
Mas, nas estrelas, a fusão nuclear ocorre sob temperaturas e pressões gigantescas. Por isto o anúncio também gerou uma grande onda de ceticismo no próprio mundo científico, porque a ciência convencional afirma que a fusão nuclear equivaleria a "domar uma estrela" - e construir uma estrela artificial exigiria algum tipo de reator operando a dezenas de milhões de graus Celsius - como o reator experimental ITER ou o Hiper.
Embora domar uma estrela possa parecer difícil, as promessas da fusão nuclear são suficientes para justificar a empreitada: o combustível para a fusão nuclear é a água do mar normal, e as estimativas indicam que 1 litro de água do mar contém uma energia equivalente a 16 litros de gasolina. E retirar essa energia não gera lixo radioativo, como a fissão nuclear que alimenta os reatores nucleares atuais.
Por isto, a possibilidade de fazer a fusão nuclear a frio parecia algo bom demais para ser verdade.
Reações nucleares de baixa energia
Como outros cientistas não conseguiram reproduzir os resultados relatados por Pons e Fleishmann, a pesquisa sobre a fusão a frio caiu em descrédito. Humilhados pela elite científica e com a reputação totalmente arruinada, Pons e Fleishmann fecharam seus laboratórios, mudaram-se de país e caíram no ostracismo.
O punhado de cientistas que decidiu dar continuidade à investigação passou a rejeitar o termo "fusão a frio". Em vez disso, eles começaram a usar o termo "reações nucleares de baixa energia" (LENR - Low Energy Nuclear Reactions).
Mas, neste simpósio, os artigos científicos apresentados voltaram a se referir abertamente à "fusão a frio", e alguns a chamam de "Efeito Fleishmann-Pons", em homenagem aos pioneiros da área.
"O campo agora está experimentando um renascimento no interesse e nos esforços de pesquisa, com evidências que sugerem que a fusão a frio pode ser uma realidade," continua Marwan. Ele observou, por exemplo, que o número de apresentações sobre o tema nas reuniões da ACS quadruplicou desde 2007.
Aparelho para medir a fusão a frio
Entre as mais de 50 apresentações, algumas merecem destaque.
George Miley, da Universidade de Illinois, relatou progressos rumo a um novo tipo de bateria que funciona através de um novo processo de fusão a frio e que teria uma vida útil mais longa do que as baterias convencionais.
Já o trabalho do Dr. Melvin Miles, do Dixie State College, descreveu a criação do primeiro instrumento laboratorial de baixo custo para identificar de forma confiável os sinais das reações de fusão a frio, ou seja, uma produção excedente de calor.
Segundo Miles, os "calorímetros" atuais são complicados demais e pouco confiáveis para medições muito precisas. Sua expectativa é que seu novo aparelho, que mantém a tradição de caber em cima de uma mesa, poderá acelerar o campo da fusão a frio em laboratórios do mundo todo.
Fusão bacteriana
Vladimir Vysotskii, da Universidade Nacional de Kiev, na Ucrânia, apresentou evidências experimentais de que as bactérias podem sofrer um tipo de processo de fusão a frio e poderiam ser utilizadas para eliminar resíduos nucleares.
O cientista apresentou ainda estudos de transmutação nuclear - a transformação de um elemento em outro - de isótopos estáveis e radioativos em sistemas biológicos.
Excedente de calor
Tadahiko Mizuno, da Universidade de Hokkaido, no Japão, apresentou um outro dispositivo de fusão a frio, totalmente diferente dos discutidos até hoje, que utiliza como reagente o fenantreno, uma substância encontrada no carvão e no petróleo.
Ele afirma que seu dispositivo gera um excedente de calor e de radiação gama. "A produção de calor total excedeu qualquer reação química concebível por duas ordens de grandeza," afirmou Mizuno.
Teoria da fusão a frio
A área teórica também teve trabalhos.
Peter Hagelstein, do MIT (Massachusetts Institute of Technology) descreveu novos modelos teóricos para ajudar a explicar a produção de calor em excesso durante a fusão a frio, talvez o aspecto mais controverso da área.
Hagelstein observa que, em uma reação nuclear, seria de se esperar que a energia produzida apareceria como energia cinética nos produtos, mas no experimento de Fleischmann-Pons não aparecem partículas energéticas em quantidade compatível com a energia observada.
Seus modelos mais simples pretendem explicar as transformações de energia observadas, incluindo o tipo e a quantidade de energia produzida.
Xing Zhong Li, da Universidade de Tsinghua, na China, veio em seu auxílio, apresentando uma pesquisa que demonstra que a fusão a frio pode ocorrer sem a produção de radiação nuclear forte. Li afirma estar desenvolvendo um reator de fusão a frio que demonstra este princípio.
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