Um grupo de cientistas, com participação de um brasileiro, afirma ter feito a primeira observação de reações químicas ocorrendo em temperaturas criogênicas, perto do zero absoluto.
O feito, descrito na revista Science, demonstra que a química é possível em temperaturas ultrabaixas e que a velocidade das reações pode ser controlada com o uso da mecânica quântica, com as regras da física que imperam em escalas submicroscópicas.
Novos horizontes da química
Os resultados, juntamente com as técnicas utilizadas para fazer as observações, ajudarão os cientistas entender aspectos até hoje desconhecidos de como as moléculas interagem - algo com implicações em uma grande variedade de campos do conhecimento, do entendimento mais básico da biologia à criação de novos materiais com propriedades não encontradas na natureza e à produção de energia, apenas para levantar alguns exemplos.
O trabalho também irá ajudar nos estudos dos gases quânticos, nos quais as partículas se comportam como ondas, e dos exóticos comportamentos da matéria na fronteira entre o mundo quântico e o mundo macroscópico.
A descoberta dá uma reviravolta no que se acreditava até agora sobre as interações moleculares. "É perfeitamente razoável esperar que quando você vai para a região do ultrafrio não haveria como falar de química," diz a física Deborah Jin, do Instituto Nacional de Padronização e Tecnologia (NIST). "Nosso artigo diz 'Não, há um monte de química acontecendo'."
"Estamos observando um novo aspecto fundamental da química, que nos dá um novo 'botão de controle' para compreender e ajustar as reações químicas," acrescenta Jun Ye, da Universidade de Colorado e coautor da pesquisa, que também contou com a participação do brasileiro Marcio H. Gonçalves de Miranda, físico formado pela Universidade Federal de Pernambuco.
Química quântica
Os cientistas vêm manipulando átomos superfrios há décadas, principalmente para funcionarem como qubits em computadores quânticos.
Mas moléculas superfrias são algo muito mais recente, ainda que tenham um potencial de interesse científico e de aplicações práticas muito maior.
Os cientistas sabem há muito tempo como controlar os estados internos das moléculas, como os seus níveis de energia rotacional e vibracional. Além disso, o campo da química quântica não é novo, compreendendo os estudos dos efeitos do comportamento quântico dos elétrons e dos núcleos constituintes das moléculas.
Mas, até agora, os cientistas foram incapazes de observar as consequências diretas dos movimentos quânticos das moléculas sobre o processo de reação química.
Isto agora foi feito criando moléculas simples e submetendo-as a um nível de refrigeração que as leva quase a uma paralisação total, tornando possível observar seu comportamento como que em câmera lenta, detectando fenômenos rápidos ou sutis demais para as técnicas de observação anteriores.
Efeitos quânticos sobre as reações químicas
Os cientistas foram capazes de observar como os efeitos quânticos da molécula como um todo determinam sua reatividade. Esta verdadeira janela para o comportamento molecular permitiu a observação de interações nas quais é a mecânica quântica que determina se duas moléculas devem se unir para reagir ou permanecerem separadas.
Na química convencional, à temperatura ambiente, as moléculas podem colidir e reagir para formar diferentes compostos, liberando calor. Nos experimentos ultrafrios reina a mecânica quântica, e as moléculas se espalham como suaves ondas, em vez de se comportarem como partículas sólidas.
Eles não colidem no sentido convencional. Ao contrário, conforme suas propriedades quânticas de onda se sobrepõem, as moléculas "sentem-se" como se estivessem espaçadas umas das outras a uma distância 100 vezes maior do que seria de se esperar em condições normais. A esta distância, as moléculas ou se dispersam ou, se as condições quânticas permitirem, trocam átomos.
Controle quântico das reações químicas
No prosseguimento das pesquisas, os cientistas esperam ser capazes de controlar essas interações à distância criando moléculas com estados internos específicos e ajustando suas energias de reação com campos elétricos e magnéticos.
Os cientistas também descobriram que, embora as moléculas se movam muito lentamente em temperaturas criogênicas, as reações podem ocorrer muito rapidamente.
No entanto, as reações químicas podem ser suprimidas usando a mecânica quântica. Por exemplo, uma nuvem de moléculas no mais baixo estado eletrônico, vibracional e rotacional, reage de forma diferente se os spins nucleares de algumas moléculas forem invertidos.
Se a nuvem de moléculas é dividida numa proporção 50/50 entre dois diferentes estados de spin nuclear, as reações acontecem de 10 a 100 vezes mais rapidamente do que se todas as moléculas possuírem o mesmo estado de spin.
Assim, por meio da purificação do gás de moléculas - ajustando todas as moléculas para o mesmo estado de spin - os cientistas podem deliberadamente suprimir reações.
Os cientistas atribuem este comportamento ao fato das moléculas serem férmions, um dos dois tipos de partículas quânticas encontradas na natureza - o outro tipo são os bósons.
Dois férmions idênticos não podem ficar no mesmo lugar ao mesmo tempo. Esse comportamento quântico dos férmions se manifesta como uma supressão da taxa de reação química no gás superfrio. Ou seja, moléculas com spins nucleares idênticos são menos suscetíveis de se aproximar umas das outras e reagir do que as partículas com spins opostos.
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