A esquizofrenia é um conjunto de transtornos mentais graves que se caracterizam por um distanciamento emocional da realidade, pensamento desordenado, crenças falsas (delírios) e ilusões (alucinações) visuais ou auditivas.
A condição atinge cerca de 60 milhões de pessoas no mundo - por volta de 1,8 milhão no Brasil.
Cópias de células
A equipe coordenada pelo neurocientista Fred Gage, do Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia, conseguiu transformar células da pele de pessoas com esquizofrenia em células menos maduras e mais versáteis.
Chamadas de células-tronco de pluripotência induzida (iPS, na sigla em inglês), essas células foram depois convertidas em neurônios, uma das variedades de células do tecido cerebral.
Essa mudança forçada de função gerou o que os pesquisadores acreditam ser cópias fiéis, ao menos do ponto de vista genético, das células do cérebro de quem tem esquizofrenia, que, por óbvios motivos éticos, antes só podiam ser analisadas depois da morte.
Isolando o componente genético
Como são geneticamente idênticos às células cerebrais de quem desenvolveu esquizofrenia, esses neurônios fabricados em laboratório são importantes para compreender a enfermidade, que tem importante componente genético, porque permite aos pesquisadores desprezar a influência de fatores ambientais, como o uso de medicamentos ou o contexto social em que as pessoas vivem.
"Não se sabe quanto o ambiente contribui para a doença. Mas, ao fazer esses neurônios crescerem em laboratório, podemos eliminar o ambiente da equação e começar a focar nos problemas biológicos", disse Kristen Brennand, pesquisadora do grupo de Gage e primeira autora do artigo.
Segundo Gage, é a primeira vez que se consegue criar, a partir de células de seres humanos vivos, um modelo experimental de uma doença mental complexa.
"Esse modelo não apenas nos dá a oportunidade de olhar para neurônios vivos de pacientes com esquizofrenia e de pessoas saudáveis, como também deve permitir entender melhor os mecanismos da doença e avaliar medicamentos que podem revertê-la", disse o cientista que há alguns anos demonstrou que o cérebro adulto continua a produzir neurônios.
Neurônios esquizofrênicos
Depois de converter em laboratório células da pele em neurônios, Brennand realizou testes para verificar se eles se comportavam de fato como os neurônios originais e eram capazes de transmitir informação de uma célula a outra.
As células cerebrais obtidas a partir de células da pele (fibroblastos) funcionavam, sim, como neurônios. "Em vários sentidos, os neurônios 'esquizofrênicos' são indistintos dos saudáveis", disse.
Mas há diferenças. A pesquisadora notou que os novos neurônios de quem tinha esquizofrenia apresentavam menos ramificações do que os das pessoas saudáveis.
Essas ramificações são importantes porque permitem a comunicação de uma célula cerebral com outra - e geralmente são encontradas em menor número em estudos feitos com modelo animal da doença e em análises de neurônios extraídos após a morte de pacientes com esquizofrenia.
Nos neurônios dos esquizofrênicos, a atividade genética diferiu daquela observada nas pessoas sem a doença. Os autores do estudo viram que o nível de ativação de 596 genes era desigual nos dois grupos: 271 genes eram mais ativos nas pessoas com esquizofrenia - e 325 menos expressos - do que nas pessoas sem o problema.
Antipsicóticos
Em um estágio seguinte, Brennand deixou os fibroblastos convertidos em neurônios em cinco soluções diferentes, cada uma contendo um dos cinco medicamentos mais usados para tratar esquizofrenia - os antipsicóticos clozapina, loxapina, olanzapina, risperidona e tioridazina.
Dos cinco, apenas a loxapina foi capaz de reverter o efeito da ativação anormal dos genes e permitir o crescimento de mais ramificações nos neurônios. Esses resultados, porém, não indicam que os outros quatro compostos não sejam eficientes. "A otimização da concentração e do tempo de administração pode aumentar os efeitos das outras medicações antipsicóticas", escreveram os pesquisadores.
"Esses medicamentos estão fazendo mais do que achávamos que fossem capazes de fazer. Pela primeira vez temos um modelo que permite estudar como os antipsicóticos agem em neurônios vivos e geneticamente idênticos aos de paciente", disse a pesquisadora. Isso é importante porque torna possível comparar os sinais da evolução clínica da doença com os efeitos farmacológicos.
"Por muito tempo as doenças mentais foram vistas como um problema social ou ambiental, e as pessoas achavam que os pacientes poderiam superá-las caso se esforçassem. Estamos mostrando que algumas disfunções biológicas reais nos neurônios são independentes do ambiente", disse Gage.
Fonte: Agência Fapesp
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