terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Google anuncia pesquisas com computador quântico

Quando a empresa canadense D-Wave, então desconhecida e classificada como "emergente", anunciou ter construído um processador quântico usando quase a mesma tecnologia dos processadores convencionais, quase ninguém acreditou.

A notícia ganhou a imprensa em 2007, mas físicos do mundo todo se apressaram em afirmar que um processador quântico usando qubits codificados magneticamente em loops supercondutores estava em algum ponto numa escala que ia de uma impossibilidade a um engodo.

Endosso quântico

Parece que o Google não levou muito a sério o parecer dos consultores científicos. Neste sábado, a empresa causou surpresa ao anunciar que não apenas está investindo na computação quântica da D-Wave, como já alcançou os primeiros resultados práticos.

De acordo com Hartmut Neven, escrevendo no blog de pesquisas da empresa, o Google vem investindo silenciosamente na computação quântica há três anos, usando o novo chip híbrido da D-Wave - portanto desde antes de sua apresentação pública. Segundo a D-Wave, seu chip efetua processamento quântico, mas também é capaz de processar bits normais sequencialmente.

A pesquisa usando o novo processador está voltada para a busca em imagens, mais especificamente, encontrar objetos em uma base de dados de figuras, fotos e vídeos.

Tipos de processadores quânticos

O programa está longe de ser disponibilizado para buscas online, mas um aplicativo real - atualmente capaz de encontrar carros em fotos - está anos-luz à frente do processador quântico programável que rodou pela primeira vez há poucos dias.

Mas a comparação precisa de muitas ressalvas. O fato é que os dois "hardwares" não são diretamente comparáveis. O processador quântico universal, anunciado na semana passada, pertence à classe dos processadores quânticos "puros" - no sentido de que se baseia nos fundamentos tidos pela grande maioria da comunidade científica como os mais promissores para a realização prática na computação quântica, nomeadamente, nos qubits de átomos artificiais, isolados em armadilhas magnéticas.

Já o chip da D-Wave, embora anunciado pela empresa como um processador quântico, continua dividindo as opiniões na comunidade científica. Segundo o próprio Neven, os cientistas ainda estão tentando caracterizar o pretenso chip quântico.

"Infelizmente, não é fácil demonstrar que um sistema de múltiplos qubits, como o chip da D-Wave, apresenta de fato o comportamento quântico alegado e os físicos experimentais de várias instituições continuam tentando caracterizar o chip," escreve ele.

Busca quântica por imagens

O fato é que o Google não parece muito impressionado com essas discussões acadêmicas. Na prática, o chip da D-Wave, quântico ou não, está permitindo que a empresa experimente com uma tecnologia de buscas que opera em uma velocidade que não é atingível com as nuvens de computadores eletrônicos atuais.

Usando uma base de dados de 20.000 fotos com cenas urbanas, metade contendo imagens de carros e metade não, os pesquisadores usaram o chamado algoritmo quântico adiabático, desenvolvido por Edward Farhi, do MIT, para treinar o sistema quântico para que ele pudesse reconhecer o que era um carro.

A seguir, o algoritmo rodou contra um segundo conjunto de 20.000 fotos e deu a resposta num tempo menor do que qualquer computador existente hoje nos data-centers do Google.

"Ainda há muitas questões em aberto, mas em nossos experimentos nós observamos que esse detector tem desempenho melhor do que aqueles [algoritmos] que treinamos usando soluções clássicas rodando nos computadores que temos em nossos data centers hoje," escreve Neven.

Computadores clássicos, quânticos e outros

Os computadores atuais, que já começam a ser chamados de computadores clássicos, usam a chamada arquitetura von Neumann, nos quais os dados são processados de forma sequencial, conforme regras definidas em um programa. Para acelerar o processamento, o programa deve ser rodado em paralelo, usando vários processadores.

Já os computadores quânticos prometem um processamento muito mais rápido, usando um fenômeno chamado superposição quântica. Uma partícula - um íon, um elétron ou um fóton - pode estar em dois estados diferentes ao mesmo tempo. Enquanto um bit clássico pode ser 0 ou 1, um qubit pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Uma outra arquitetura, chamada "sinaptrônica", foi recentemente apresentada por pesquisadores ligados à IBM - veja Computação cognitiva: IBM simula o cérebro de um gato.

Milagres da computação quântica

"Muitos dos serviços que oferecemos hoje dependem de sofisticadas tecnologias de inteligência artificial, como o aprendizado de máquina ou o reconhecimento de padrões. Ocorre que resolver os mais difíceis desses problemas exige fazendas de servidores tão grandes que nunca poderão ser construídas," diz Neven, justificando o interesse de sua empresa em uma tecnologia tão inovadora quanto a computação quântica.

Se a solução não pode ser encontrada em empilhar mais e mais servidores, até chegar literalmente às nuvens de computação, computadores baseados nas complicadas e quase sempre estranhas propriedades da mecânica quântica podem ser a salvação.

Neven exemplifica o funcionamento dos computadores citando os ganhos obtidos com os algoritmos que estão sendo desenvolvidos e que serviram de base para o programa localizador de carros.

Imagine um grande móvel, com um milhão de gavetas. Dentro de uma delas, há uma bola escondida. Quantas gavetas você terá que abrir para encontrar a bola?

Algumas vezes, muito poucas vezes, você poderá ter sorte e achar a bola nas primeiras tentativas. Noutras, porém, terá que abrir praticamente todas. Na média, você terá que abrir 500.000 gavetas até achar a bola.

Mas um computador quântico, com seus entrelaçamentos e superposições, achará a bola, em média, olhando em 1.000 gavetas. Se é difícil entender como isso é possível, o fato é que o novo processador oferece os resultados cerca de 50.000 vezes mais rápido. Os três anos de dedicação dos pesquisadores do Google e da D-Wave comprovaram este funcionamento.

Se estamos de fato frente a um processador quântico que pode ser fabricado com as mesmas técnicas dos computadores eletrônicos atuais é algo que ainda merecerá muitas discussões. Mas que a D-Wave pegou uma nova onda com o suporte do Google, disso ninguém duvida.

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