quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Brasileiros dão robustez ao entrelaçamento quântico

Um novo estudo realizado por pesquisadores brasileiros trouxe avanços para a compreensão de uma das mais intrigantes propriedades do entrelaçamento quântico: a "morte súbita", ou perda de coerência de um sistema entrelaçado.

Investigando as condições precisas em que a morte súbita do entrelaçamento ocorre em dois feixes de laser, cientistas da Universidade de São Paulo (USP) demonstraram que é possível gerar estados entrelaçados "robustos" - isto é, que não sofrem a morte súbita - assim como feixes sujeitos ao desentrelaçamento.

Entrelaçamento ou emaranhamento?

O entrelaçamento quântico é considerado pelos cientistas como base para futuras tecnologias como computação quântica, criptografia quântica e teletransporte quântico.

Um fenômeno intrínseco da mecânica quântica, o entrelaçamento permite que duas ou mais partículas compartilhem suas propriedades mesmo sem qualquer ligação física entre elas.

Embora muitos pesquisadores vertam o termo entanglement como "emaranhamento", físicos consultados pelo Site Inovação Tecnológica argumentam que este termo em português traz uma falsa imagem de desordem, e o que ocorre é que as partículas estão na verdade entrelaçadas - interligadas de alguma maneira ainda não totalmente compreendida - e que a física não pode considerar desordem algo que, no futuro, será explicado com detalhes.

Sob esse ponto de vista, o termo mais fiel ao próprio fenômeno seria entrelaçamento - ou seja, há mais complicações no mundo da física quântica do que os próprios fenômenos bizarros da física quântica.

Morte súbita

Duas ou mais partículas estão entrelaçadas quando se encontram de tal forma "conectadas" que mexer em uma delas altera instantaneamente a outra, mesmo que elas tenham sido levadas para lados opostos da galáxia.

Há poucos dias, cientistas demonstraram o entrelaçamento entrelaçamento de 3 qubits na primeira demonstração prática de uma correção de erros que possa ser usada nos computadores quânticos.

Embora extremamente promissora para usos tecnológicos, essa coerência entre as partículas é extremamente frágil - ela se perde, no dito fenômeno da morte súbita, mais conhecida entre os físicos como decoerência.

Quando se tenta medir uma partícula quântica, a própria medição faz sua função de onda colapsar, o que significa que a partícula terá sido irremediavelmente modificada. Como se trata de átomos e fótons, parece que o próprio ambiente ao redor do sistema quântico entrelaçado - os fótons e os átomos de ambiente - estão constantemente "medindo" as partículas quânticas, o que destrói suas características tão esquisitas, mas potencialmente tão úteis.

Em 2007, um estudo coordenado por Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado na Science, mostrou que o entrelaçamento quântico podia desaparecer repentinamente, "dissolvendo" o elo quântico entre as partículas. A chamada "morte súbita do entrelaçamento" poderia comprometer o desenvolvimento de futuras aplicações.

Segundo um dos autores do novo estudo, Paulo Nussenzveig, do Instituto de Física da USP, a pesquisa indica que o entrelaçamento pode ser frágil a ponto de desaparecer se os feixes que se propagam forem submetidos a perdas.

"No contexto de comunicações ópticas, as perdas costumam ser o pior inimigo. Mostramos, no estudo, que estados entrelaçados robustos - que não sofrem morte súbita - podem ser gerados, assim como estados sujeitos ao desentrelaçamento", disse Nussenzveig, que também foi um dos responsáveis por uma pesquisa que demonstrou o entrelaçamento triplo em luzes coloridas.

Em Julho deste ano, Nussenzveig foi convidado pela revista Science para comentar um experimento que marcou época na mecânica quântica, quando as propriedades da matéria quântica foram testadas em queda livre.

Mas, voltando ao desentrelaçamento, mesmo na situação mais simples possível - com o uso de apenas dois feixes de laser -, o desentrelaçamento completo pode ocorrer em caso de perdas parciais.

Fronteira entre a fragilidade e a robustez

A partir de um tratamento teórico do problema, os cientistas puderam estabelecer uma fronteira entre estados robustos e estados frágeis do entrelaçamento. "Com isso, somos capazes de saber de antemão se um estado é robusto ou não", disse.

De acordo com outro autor do artigo, Marcelo Martinelli, também do Instituto de Física da USP, um primeiro trabalho, publicado na Science em 2009, mostrou que o efeito de morte súbita de entrelaçamento se apresentava não apenas em sistemas discretos - isto é, sistemas que têm um conjunto finito de resultados possíveis -, mas também em sistemas macroscópicos de variáveis contínuas.

Naquele estudo, os cientistas geraram pela primeira vez um entrelaçamento quântico de três feixes de luz de cores diferentes.

"Conseguimos gerar o entrelaçamento entre três feixes de luz operando em frequências diferentes. Esse foi um feito importante, mas que já havíamos previsto em um trabalho anterior. A surpresa naquele sistema foi observar que o entrelaçamento poderia desaparecer para perdas finitas", disse Martinelli.

Teletransporte

Os resultados da nova pesquisa abrem caminho para estudos sobre o teletransporte quântico - que é o objetivo fim do projeto "Teletransporte de informação quântica entre diferentes cores", coordenado por Martinelli.

Segundo o cientista, certas propriedades quânticas podem ficar cada vez mais fracas com o passar do tempo, ou com a interação com sistemas externos. No entanto, elas ainda persistem, mesmo que estejam no limite da capacidade de observação. No caso do entrelaçamento, porém, isso não ocorre.

"Quando há perdas finitas - como, por exemplo, na propagação por uma certa distância, seja em fibra óptica ou no ar livre - o sistema pode evoluir para um estado separável, ou seja, perde-se o entrelaçamento e podemos declarar efetivamente que o sistema está desentrelaçado", explicou.

No caso do trabalho de 2009, os pesquisadores observaram o efeito de desentrelaçamento, mas não sabiam se ele se devia à complexidade intrínseca do experimento com três campos entrelaçados.

"No estudo que acabamos de publicar, voltamos um passo atrás no sistema, observando apenas os feixes gêmeos gerados no oscilador paramétrico óptico. Estudando o que ocorre no sistema mais simples, observamos que mesmo nesse caso podemos ter desentrelaçamento para perdas finitas. Isto é, mesmo no sistema mais simples para feixes do tipo laser, o entrelaçamento pode ser perdido", explicou.

Processamento quântico de informações

Existem diversas propostas recentes para o uso das propriedades quânticas no processamento de informação, entre elas o uso de variáveis contínuas do campo eletromagnético. A luz é considerada o meio ideal para transportar a informação de um ponto a outro: seja entre duas estações remotas, seja entre dois sítios dentro de um chip óptico.

"Mas, ao longo da propagação, vemos que a interação com o sistema por meio da atenuação do campo pode destruir o entrelaçamento utilizável. Isso implica cuidados que devem ser tomados no projeto de um sistema quântico de processamento de informação", disse.

Ao gerar tanto feixes "robustos" como sujeitos a desentrelaçamento, o trabalho será importante, segundo Martinelli, para a comunidade envolvida no desenvolvimento de dispositivos fotônicos que controlem a luz e a convertam luz em sinais elétricos ou vice-versa.

"Com esse trabalho podemos estender o tratamento a sistemas mais complexos e estudar a dinâmica do entrelaçamento nesses sistemas. O controle sobre as propriedades de entrelaçamento é o mais importante para a realização de uma das tarefas básicas em processamento quântico de informação: o teletransporte", disse.

Além dos dois professores da USP, participaram do estudo Felippe Alexandre Silva Barbosa, Alessandro de Sousa Villar, Katiúscia Nadyne Cassemiro e Antonio Sales Oliveira Coelho - então orientandos de doutorado de Nussenzveig - e Alencar José de Faria, cujo pós-doutorado foi supervisionado por Martinelli.

O grupo faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Informação Quântica, sediado no Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas, sob coordenação de Amir Caldeira.

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