Ao estudar as toxinas desses organismos para conhecer melhor como elas agem, os cientistas estão descobrindo compostos que podem ser tornar potenciais medicamentos para o tratamento de doenças encefálicas, como a epilepsia.
"Há quase quatorze mil patentes de toxinas de animais com aplicação biotecnológica depositadas no escritório de patentes norte-americano, o USPTO," conta o professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Mas ainda há uma enorme possibilidade de se obter outras moléculas com potencial biotecnológico", afirmou o especialista no simpósio sobre a biodiversidade e biotecnologia de venenos no Brasil, durante a Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
Veneno de aranha contra epilepsia
De acordo com Beirão, estima-se que, das 38 mil espécies de aranha existentes no mundo, cerca de 500 tenham potencial para compostos com alguma atividade biológica, como inibir a transmissão neuromuscular - as sinapses, pelas quais os sinais eletroquímicos são transmitidos de neurônio para neurônio.
Em função disso, alguns desses compostos estão sendo apontados como fortes candidatos a novos medicamentos para o tratamento de doenças encefálicas, a exemplo da epilepsia.
A doença degenerativa, que atinge 5,3 milhões de pessoas só nos EUA, é caracterizada por uma alteração no padrão eletroquímico normal das sinapses que provoca mudanças de comportamento, espasmos musculares e a perda da consciência das pessoas que sofrem do mal.
Moléculas do veneno
Ao estudar, ao logo dos últimos 20 anos, as diversas moléculas que compõem o veneno de uma espécie de aranha comum na América do Sul, a Parawixia bistrata, o professor da USP de Ribeirão Preto, Wagner Ferreira dos Santos, descobriu duas moléculas bastante promissoras para o desenvolvimento de uma nova droga para o tratamento da doença que provoque menos efeitos colaterais nos pacientes do que as existentes no mercado.
Já testadas em em ratos, as moléculas, denominadas Parawixia 1 e FrPbAII, apresentaram efeitos anticonvulsivos, neuroprotetores e antiansiolíticos, ou seja, inibiram as convulsões que caracterizam a doença, protegeram os neurônios de lesões e diminuíram a ansiedade, que costuma preceder os ataques epiléticos.
"As moléculas não curam a doença, mas possibilitam controlar o alastramento da lesão dos neurônios provocada por ela que, à medida que aumenta, faz com que o paciente perca funções como o odor e a fala, entre outras", explicou Santos durante o simpósio.
Veneno sintético
Especula-se que empresas farmacêuticas no exterior já estejam testando os compostos em testes com humanos. Mas, segundo o especialista, ainda estão enfrentando uma série de dificuldades para torná-las viáveis para aplicação em um medicamento, que representa o calcanhar de Aquiles dos pesquisadores brasileiros que desenvolvem pesquisas com o veneno de animais.
"Do ponto de vista da geração do conhecimento nós estamos bem. Já existe um grupo de pesquisadores brasileiros capaz de identificar esses compostos", avalia o professor da UFMG, Paulo Sérgio Lacerda Beirão. "Mas temos uma fragilidade clara na hora de transformar isso em produtos porque o custo é muito alto", conta.
Na tentativa de fazer com que as moléculas da aranha Parawixia bistrata que descobriu possam despertar o interesse de alguma indústria farmacêutica brasileira ou multinacional, atuante no País, o biólogo Wagner Ferreira dos Santos pretende desenvolver modelos sintéticos dos dois compostos e patenteá-los no exterior.
"As empresas querem já ter acesso a sínteses das moléculas de toxinas e que elas já sejam patenteadas, principalmente nos EUA e na Europa, para utilizá-las", afirma. "Se a molécula só é patenteada no Brasil não tem valor nenhum", comparou, se referindo ao fato de que o mercado farmacêutico brasileiro é muito menor do que o americano e o europeu.
Fonte: SBPC
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