terça-feira, 23 de junho de 2009

Etiqueta no boteco

O problema com os botecos não é a sujeira empilhada no chão, as moscas em cima dos ovos cozidos, nem os pombos chafurdando restos de provolone à milanesa na calçada. Isso é o de menos. Aliás, é justamente o que faz um pé-sujo ser diferente de um Fasano.

O negócio é a falta de uma etiqueta própria.

Por exemplo: cutucar os dentes no mesmo palito em que se comeu o ovinho de codorna, jamais. Usar o celular como calço de mesa, cuspir a pele dos tremoços no pratinho também são procedimentos inaceitáveis.

A verdade é que os botequins nunca foram tão a cara do Brasil como são agora: sem lei, nem ordem.

Você se cansa de ver aquele pessoal enfiando os dedos no pirex de tira-gosto do balcão e tirando uma “provinha”; chupando a espuma do copo de cerveja de modo a provocar aquele ruído de Boeing decolando. Ou o caos: urinando de porta aberta.

Daí a necessidade de normas para se frequentar esses bares populares.
Um dos pontos nevrálgicos é a forma de comunicação entre público e garçom. Assobiar para chamá-los já é um pouco demais, mesmo em se tratando de uma birosca. Chamá-los intimamente de “véio”, “tio”, “truta” ou “vem cá, seu veado” é totalmente fora de questão

Outro ponto importante é o momento de fazer o pedido. Nunca lance perguntas do tipo “esses torresmos estão cheirando mal porque estão estorricados ou é o porco que está estragado?” Ou mesmo: “os testículos de boi estão bons hoje?”.

O ideal é estudar bem o que for solicitar, confiar na casa – em Deus, Santo Expedito, São Longuinho – e dizer, em alto e bom som: “eu quero uma porção grande de linguiça apimentada no álcool”.

Ir a um botequim é um ato de “non-chalance”, exige galhardia, jogo de cintura. Se um bêbado cair em sua mesa, derrubando os copos e a farofa de carne seca sobre você, conte até dez antes de esmurrá-lo. Lembre-se: foi uma fatalidade, poderia acontecer com todo mundo, inclusive com você, que está tão manguaçado quanto qualquer outro habitué do local.

O mesmo espírito vale para a hora de pagar a conta. Se a sua “mina” não quiser dividí-la, evite estapeá-la em público. Seja polido, sacuda a moça só ao chegar no carro.

Detalhe importantíssimo: nunca peça um kyr-royale, ou qualquer outro daqueles drinques coloridos, num pé-pra-fora. O portuga pode interpretar mal, achar que você o chamou de paneleiro e quebrar seus dentes antes mesmo de escrever algo na comanda.

As regras acima, sem dúvida, ajudariam a criar um ambiente aceitável nessas pitorescas tabernas, diferenciando-as de seus concorrentes: os restaurantes-de-beira-de-estrada frequentados por caminhoneiros. Num deles, certa vez, havia uma famosa placa, no meio das mesas, onde lia-se:

É PROIBIDO ALMOÇAR DE ZORBA.

Definitivamente, sem etiqueta, não há civilização.

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