quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Fibras ópticas fotônicas avançam mais do que nanotecnologia

Em 1996, o físico irlandês Philip Russel fez a primeira demonstração prática de uma nova classe de fibras ópticas: as fibras de cristais fotônicos (PCF, na sigla em inglês).

Nos últimos anos, as tecnologias de PCF evoluíram sem parar, com expressiva contribuição de grupos brasileiros.

Os progressos mais recentes e as aplicações mais inovadoras para essas fibras acabam de ser descritos em um artigo publicado na revista Report on Progress in Physics, de autoria do brasileiro Arismar Cerqueira, professor da Faculdade de Tecnologia (FT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Tecnologia das fibras ópticas

Ao contrário das fibras ópticas convencionais, que são feitas a partir de óxido de silício ultra puro, utilizando dopagem para alteração de suas características, as fibras ópticas fotônicas têm suas características definidas por microestruturas construídas em seu interior.

Ao permitir a otimização das propriedades ópticas em um nível inalcançável para as tecnologias de fibras ópticas convencionais, as PCF prometem revolucionar áreas como telecomunicações, tomografia óptica, espectroscopia, medicina, metrologia e desenvolvimento de sensores.

Cerqueira explica que as PCF se baseiam nas propriedades dos cristais fotônicos e, ao longo de seu comprimento, possuem microestruturas na escala do comprimento de onda. Ao contrário das fibras ópticas tradicionais - sempre feitas de sílica e com uma estrutura muito simples -, o interior das PCF pode ter geometrias variadas e ser feito de materiais diferentes, como líquidos, metais e até gases.

"As PCF revolucionaram a tecnologia de fibras ópticas, pois criaram novos graus de liberdade para o design, fabricação e aplicação das fibras. Essa possibilidade de variar materiais e geometrias permite que o guiamento da luz, em virtude de diferentes mecanismos de propagação em uma gama muito grande de comprimentos de onda", explica ele.

Fibra híbrida

Os editores da revista que publicou o artigo de Cerqueira indicaram-no para produzir o estudo de revisão sobre todas as pesquisas recentes sobre as Fibras de cristais fotônicos em virtude de o pesquisador brasileiro ser autor de uma importante descoberta na área.

Durante seu doutorado na Itália, o brasileiro idealizou, projetou e fabricou um novo tipo de PCF, conhecida como Fibra de Cristal Fotônico Híbrida, ou hPCF (Hybrid Photonic Crystal Fiber).

A descoberta da PCF híbrida foi publicada em janeiro de 2006 na revista Optics Express. De acordo com Cerqueira, esta nova fibra reúne vantagens sobre as duas categorias de PCF existentes até então.

Na PCF original, a luz que viaja pelo interior da fibra é guiada de forma análoga ao mecanismo de propagação das fibras ópticas tradicionais, com reflexão interna total.

A segunda categoria de PCF é conhecida como photonic bandgap. Nela, a luz é guiada em janelas específicas de frequência, previamente estabelecidas no projeto da fibra óptica. Isso viabilizou o guiamento da luz no ar com baixa perda, o que era impossível na tecnologia tradicional.

"A PCF híbrida alia a vantagem das duas em uma única fibra. É o primeiro guia de onda óptico que viabilizou a condução da luz pelos dois mecanismos de propagação simultaneamente. Com um maior controle da luz refletida por dentro da fibra, conseguimos mudar as propriedades ópticas e atingir desempenhos anteriormente impossíveis ou até inimagináveis, abrindo novo leque de aplicações e projetos", disse.

Luz infravermelha

Enquanto as outras duas categorias de PCF têm utilidade mais ou menos adequada a determinadas aplicações, a PCF híbrida é muito mais versátil, sendo útil para aplicações de todas as áreas, como telecomunicações, espectroscopia e metrologia.

"Essa alternativa melhora o desempenho dos dispositivos ópticos, aprimorando propriedades como índice de refração, dispersão cromática, propriedades não-lineares e características modais", explicou.

No artigo, Cerqueira descreve aplicações inovadoras, como o guiamento da luz na região do infravermelho. "Isso é inconcebível para as tecnologias tradicionais. Outro aspecto interessante é o desenvolvimento de sensores de altíssima precisão, obtidos com a tecnologia PCF, além do desenvolvimento de lasers e amplificadores ópticos de alta potência", disse.

Terahertz

Segundo Cerqueira, as PCF estão viabilizando o guiamento da luz em frequências na faixa de terahertz - o que poderá contribuir para resolver o atual gargalo entre a nanotecnologia e as comunicações ópticas.

"Hoje, o conhecimento da óptica está muito mais avançado do que o domínio da nanotecnologia. Temos bandas de transmissão de dados praticamente ilimitadas, mas a eletrônica não acompanhou essa evolução. A possibilidade de ter guiamento da luz em terahertz pode resolver esse gargalo, o que levaria a um salto tecnológico significativo", destacou.

De acordo com ele, a eletrônica atualmente limita a transmissão de dados a cerca de 100 gigahertz - ou 100 vezes 109. Com a viabilização da faixa de terahertz, o limite passaria para cerca de 100 vezes 1012. "Ou seja, a capacidade dos sistemas de comunicação no mundo poderia ser multiplicada por mil", disse.

Transferência de energia

O primeiro estudo de revisão com alto impacto sobre as PCF, de acordo com Cerqueira, foi publicado em 2003 pelo próprio Russel, inventor da nova classe de fibras ópticas. "Desde então, na minha opinião, a quantidade de artigos publicados sobre essas fibras tem sido muito pequena em relação à evolução ocorrida nesses anos", disse Cerqueira.

O estudo publicado na Report on Progress in Physics parece ter ajudado a preencher a lacuna: de acordo com os editores da revista, o artigo foi baixado pela internet 250 vezes nos primeiros 11 dias após a publicação em 21 de janeiro. De acordo com eles, apenas 10% dos artigos de todas as revistas publicadas pelo Instituto de Física (IOP, na sigla em inglês) alcançaram esse número de downloads.

Em 2008, Cerqueira foi o primeiro autor de um artigo publicado na revista Optics Letters. "Naquele estudo, utilizando a PCF híbrida proposta no meu doutorado, conseguimos, pela primeira vez, fazer uma conversão de frequência e transferência de energia entre diferentes bandgaps fotônicos", disse.

O experimento foi analisado no Laboratório de Fenômenos Ultrarrápidos da Unicamp, coordenado pelo diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, autor principal do trabalho.

Mixagem de ondas

Em outro estudo, Cerqueira e Hugo Fragnito, diretor executivo do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de Campinas (CePOF), conseguiram bater o recorde mundial de geração de múltiplos lasers a partir do fenômeno não-linear conhecido como four wave mixing.

"Geramos 275 ondas eletromagnéticas - ou lasers - a partir de somente três lasers iniciais. Esse resultado também é inédito no mundo", disse Cerqueira.

O pesquisador baiano, hoje com apenas 31 anos, formou-se em engenharia elétrica na Universidade Federal da Bahia e, em 2002, concluiu mestrado na Unicamp, na mesma área. Entre 2003 e 2006, cursou o doutorado na Escola Superior Sant'Anna de Estudos Universitários e Aperfeiçoamento, na Itália, com um período sanduíche na Universidade de Bath, na Inglaterra, centro de referência mundial em fibras ópticas.

De volta ao Brasil em 2006, Cerqueira cursou o pós-doutorado na Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp. Nesse período, ministrou diversos minicursos sobre as PCF. Atualmente, o pesquisador tem auxílio da FAPESP para desenvolver um sistema de rádio sobre fibra com antena integrada para monitoração e controle de processos.

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