Cientistas desvendaram finalmente o funcionamento do menor motor biológico existente na natureza, descrevendo não apenas como ele "queima" o seu próprio biocombustível, mas também o mecanismo do seu movimento.
A compreensão desse "motor da vida" abre caminho para a sua reprodução sintética, seja para acionar nanomotores e nanomáquinas, seja para o desenvolvimento de novas drogas capazes de ligá-lo e desligá-lo, interferindo com o funcionamento das células para fins terapêuticos.
Motor biológico
O motor biológico é uma proteína que funciona como um caminhão de carga dentro das células e as ajuda em seu processo de divisão. A pesquisa demonstrou que ela faz isso movimentando-se para cima e para baixo, imitando o movimento de um serrote ao cortar um pedaço de madeira.
Os pesquisadores tiraram fotografias de altíssima resolução desse motor-proteína, chamada quinesina, conforme ela se movimentava ao longo de um microtúbulo, uma estrutura em forma de tubo que forma o "esqueleto" das células. As imagens permitiram a observação precisa das mudanças estruturais sofridas pela quinesina conforme ela transporta moléculas dentro das células.
"Nós vimos pela primeira vez, em escala atômica, como as partes móveis da quinesina permitem que ela puxe a si mesma e a sua carga ao longo de um microtúbulo", diz Ken Downing, um biofísico Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, dos Estados Unidos. Ele fez a pesquisa juntamente com seu colega Charles Sindelar, da Universidade de Brandeis.
Cremalheira
O mecanismo de funcionamento do motor biológico lembra uma cremalheira, como as utilizadas pelos trens nas subidas das montanhas - partes da quinesina apoiam-se nas moléculas das paredes dos microtúbulos, o que a permite mover-se para cima e para baixo conforme a função que estiver desempenhando.
Para se movimentar, a quinesina utiliza como combustível um composto chamado ATP. Até agora, porém, os cientistas não tinham uma ideia clara do que acontece quando o ATP se liga com a quinesina e, especialmente, como este processo desencadeia mudanças estruturais na quinesina que impulsionam a proteína ao longo dos microtúbulos.
Microscópio crioeletrônico
Imagens geradas por cristalografia de altíssima resolução permitiram que os cientistas reconstruíssem a estrutura tridimensional da proteína. Mas essas imagens estáticas não revelam como ela funciona.
"O problema é que as alterações estruturais que viabilizam a hidrólise do ATP, o processo que transfere energia do ATP para a quinesina, só ocorrem quando o motor proteico se liga a um microtúbulo," diz Downing.
Para flagrar a quinesina nessa fase crítica, Downing e Sindelar usaram um microscópio crioeletrônico, um tipo de microscopia eletrônica na qual a amostra é estudada em temperaturas extremamente baixas.
Esta tecnologia é utilizada pelos biólogos para obter imagens de proteínas e outras moléculas como elas aparecem em condições reais - neste caso, uma proteína quinesina ligada a um microtúbulo.
O microscópio crioeletrônico gerou imagens da quinesina conforme ela se movia ao longo do microtúbulo, revelando que seu motor funciona em ciclos de quatro fases - o menor motor biológico da natureza é também um motor de "quatro tempos", como os motores dos carros.
Desligando o motor do câncer
Usando essas imagens como guia, os pesquisadores então capturaram imagens cristalográficas de resolução ainda maior de cada um dos componentes da quinesina, o que lhes permitiu criar modelos estruturais em nível atômico da quinesina em ação.
Além de elucidar um processo biológico fundamental, a pesquisa poderá ajudar no desenvolvimento de drogas para o combate de doenças.
Uma das principais tarefas da quinesina é mover os cromossomos durante a divisão celular. Qualquer coisa que bloqueie esse processo irá levar a célula à morte, o que pode ser algo muito desejável no caso de uma célula cancerosa.
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